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O tempo dos Smerdiakoves

Continuo a pensar n’ Os Irmãos Karamázov . O livro de Dostoiévski deixa várias inquietações que não consigo ultrapassar.  Logo no início, o narrador explica que a personagem principal do livro é Aleksei. Paradoxalmente esta elucidação cria uma dúvida: porque é que ele tem de o dizer, não devia ser evidente ao longo da leitura do romance?  Se o narrador toma essa precaução é porque receia que Ivan Fiódorovitch se transforme na personagem mais importante. O episódio do Grande Inquisidor (onde Ivan cria um espaço autónomo de narração dentro do livro), as ideias e gestos radicais, o desvario mental e as febres são provas inequívocas. Além disso, Ivan é uma personagem compósita: tem o diabo como emanação (as febres e alucinações) e Smerdiakov como duplo ou, melhor dizendo, excrescência.  E esta é a inquietação mais grave. Esse tal Smerdiakov — criatura repelente em extremo — mostra-nos como os pensamentos podem apodrecer. A sua maneira de ser rancorosa, a forma rebuscada de se exprimir, as

Divertimento

“Mas também o sofredor gosta às vezes de se divertir com o seu desespero, como se o fizesse também por desespero.” — Diz o stárets Zóssima a Ivan Fiódorovitch Karamázov. Podia ser um rascunho de Cioran nos seus Cadernos.
— Pela última vez, Deus também não existe. — Então, quem anda a gozar assim com as pessoas, Ivan? — O Diabo, pelos vistos — esboçou um sorriso Ivan Fiódorovitch. — E o Diabo existe? — Não, também não existe. Os Irmãos Karamázov, primeira parte, livro 3 “Os Voluptuosos”, capítulo 8 “Enquanto se toma conhaque”. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Editorial Presença. Outubro de 2002.

O tipo de homem não só inútil e depravado, mas ao mesmo tempo inapto.

Apesar do título e do narrador explicar, ainda antes de começar a acção, que o herói do livro é Aleksei Fiódorovitch Karamázov, as descrições e as entradas em cenas de Fiódor Pávlovitch (pai dos três irmãos Karamázov) são prodigiosas de bufonaria. Só para dar três exemplos. Logo na primeira página do primeiro capítulo, um retrato e conceito muito bem definidos (nada a mais, nada em falta, excelente ritmo): Agora digo apenas que este “proprietário rural” (como lhe chamavam aqui, embora não tenha vivido na sua propriedade durante quase toda a vida) era um tipo estranho, desses que no entanto se encontram com bastante frequência, ou seja, o tipo de homem não só inútil e depravado, mas ao mesmo tempo inapto — desses inaptos que, aliás, sabem tratar muitíssimo bem dos seus interesses mas, pelos vistos, só disso. (Página 17) Mais à frente, esta conversa de Fiódor Pávlovitch com o filho Aleksei é de uma perfeição extrema e perturbadora; por preguiça transcrevo apenas um pedaço: (...)
Como nos vícios, queremos sempre algo mais forte. Depois d’ O Idiota, avanço para Os Irmãos Karamázov. Sinto um formigueiro na cabeça.