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A mostrar mensagens com a etiqueta Escrever

Ladainha

Andei a juntar os textos que escrevi sobre os filmes de Pedro Costa e dei-me conta daquilo que no fundo já sabia há muito: pareço aquele sem-abrigo a cantar Jesus’Blood Never Failed Me Yet.
Se soubesse escrever contos, escrevia sobre a morte de Schönberg. O mais difícil era controlar a exuberância dos factos.

Situação factual

Ao preparar o almoço, apercebo-me que duas das actividades mais importantes para cozinhar bem — cortar (fino, fino) e mexer (mais e mais) — são também importantes na escrita. Claro que temos de dar um empurrãozinho semântico a mexer para o aproximar de montagem . Mesmo sabendo isso, nunca conseguirei alguma vez escrever um texto melhor do que o empadão de carne que acabei de comer.

Cinco dias sem escrever

Sentado diante da folha. Sentado diante da folha três dias. Sentado diante da folha cinco dias. E «as coisas, dentro de mim, a gritar por ser ditas» (Llansol). Quando não são ditas, quando falta garganta e talento para gritá-las, as coisas transformam-se em veneno. Dentro de mim, há uma bolha de veneno. Não há remédios rápidos para esta doença. É deixar ferver até rebentar.

Onde fica o caminho?

Uma folha branca está cheia de caminhos. Já se sabe, será preciso ir da esquerda para a direita. Já se sabe, vai ser preciso andar muito, penar muito. E sempre da esquerda para a direita. Também se sabe - às vezes - previamente: quando a página estiver escurecida pelos signos, será preciso rasgá-la. Será preciso refazer o mesmo caminho dez vezes, cem vezes; o caminho do nariz, da nuca, da boca; o caminho da fronte e da alma. E todos esses caminhos têm os seus próprios caminhos. - Caso contrário, não seriam caminhos. Edmond Jabès, O Livro das Questões . Tradução de Pedro Eiras.
Fernando Savater: Você não abandonou apenas a sua pátria, mas também, e isso é o mais importante, a sua língua. Emil Cioran: É o maior acidente que pode acontecer a um escritor, o mais dramático. As catástrofes históricas não são nada à beira disto. Escrevi em romeno até 1947. Nesse ano vivia numa casinha perto de Dieppe e traduzia Mallarmé para romeno. De repente disse para mim mesmo: “Que absurdo! De que serve traduzir Mallarmé para uma língua que ninguém conhece?” Foi então que renunciei à minha língua. Comecei a escrever em francês, e isso foi muito difícil porque, por temperamento, a língua francesa não me convém: preciso de uma língua selvagem , uma língua de bêbado. O francês foi para mim como um colete-de-forças. Escrever noutra língua é uma experiência aterradora. Refletimos sobre as palavras, sobre a escrita. Quando escrevia em romeno, fazia-o sem me dar conta, simplesmente escrevia. Nessa altura as palavras não eram independentes de mim. Quando comecei a escrever em fra...

Litania

Escrevo porque não quero morrer. A escrita é uma maneira duvidosa de enganar a morte, mas é a única que conheço. Quando não escrevo, leio. O sentido é o mesmo: distrair a morte com palavras, jogos, histórias. Ler e escrever são sinónimos. Em ambos os casos, actua a imaginação com todo o seu poder de fogo. Claro que isto não passa de uma bagatela, mil vezes repetida por toda a espécie de aprendizes de feiticeiro. Mas talvez essa ideia vulgar de que a escrita ajuda a adiar a morte nunca tenha estado tão próxima da verdade mais íntima do tempo e das coisas. Ao escrever isto, uma e outra vez, como uma litania, estou a viver mais umas linhas, um parágrafo.

Trocos

Escrever todos os dias. Nem que seja uma frase. Quatro ou cinco palavras, segundo uma determinada ordem. Dia após dia. Como aqueles tipos que, todas as manhãs, e sem grande esperança, percorrem os parquímetros do bairro à procura da moeda esquecida na caixinha dos trocos.