Bicho ruim

Saio de manhã cedo para um curto passeio antes do trabalho. Percorro a Rua de António Cândido, em direcção a Faria Guimarães. Mais ou menos a meio, ergue-se a maior magnólia do bairro. Faz parte de um jardim privado, mas a árvore já saltou o muro e parece querer lançar-se pela rua a qualquer momento. Tiro uma fotografia antes que escape.

As magnólias floridas anunciam o fim do Inverno. Não com um ponto final. Mas com uma explosão de reticências.

De vez em quando, por entre o incansável barulho da chuva a bater nos vidros, consigo distinguir o delicado farfalhar da magnólia molhada. Em baixo, melros nervosos divagam por cima das raízes. Parecem muito ocupados com um pensamento importante. Que pensamento? O que sabem os melros que nós não sabemos?

Um vento forte atira as folhas da magnólia para a rua e arruma-as cuidadosamente em filas perfeitas, junto aos passeios. Lembram bibliotecas. Sem leitores nem bibliotecários.

As iluminações de Natal apareceram na minha rua da noite para o dia. À falta de um pinheiro, penduraram dezenas de lâmpadas na magnólia do largo. Estranha fruta da época, nem verde nem madura, sem casca nem sumo, mais brilhante que o néon da mercearia.