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A mostrar mensagens com a etiqueta Rogério Casanova

Quatorze de novembro

Fui agora à rua fumar e passear o cão e estavam outras dezanove pessoas a fumar e passear o cão no mesmo metro quadrado. Tivemos de matar os cães para poupar espaço e exalar o fumo directamente nas bocas uns dos outros.  Rogério Casanova 

Desbravando corajosamente

o denso emaranhado semântico que envolve o "pós-modernismo" (um termo cuja definição começou por variar de disciplina para disciplina, e que acabou a variar de pessoa para pessoa), Umberto Eco reduziu-o a uma "atitude", que descreveu do seguinte modo: "Um homem que ama uma mulher culta sabe que não lhe pode dizer "Amo-te loucamente", pois sabe que ela sabe (e sabe que ela sabe que ele sabe) que a expressão já foi usada em livros de Barbara Cartland. A solução é dizer-lhe "Como diria uma personagem de Barbara Cartland, eu amo-te loucamente". Tendo evitado a falsa inocência, e admitido que essas declarações já não são possíveis, conseguiu todavia dizer o que queria dizer à mulher: que a ama loucamente, num mundo que deixou de ser inocente. (...) Rogério Casanova, Conta-me como costumavam contar o que já foi contado, DN.

O risco de morrer de competência

(...) Uma escola mais difusa, resultante de uma mistura destes processos, é analisada num dos livros mais interessantes dos últimos anos sobre história e produção literária: "The Program Era", de Mark McGurl — sobre o impacto dos programas universitários de escrita criativa na ficção americana do pós-Guerra. Um dos efeitos desse regime, simultaneamente descritivo e prescritivo, foi a elevação da pura técnica a telos, e a consolidação de um conjunto de princípios didácticos numa doutrina de composição: o estilo "Hemingway-light" que dominou parte significativa da literatura dos Estados Unidos — principalmente no conto — a partir da década de 1950, e que permitiu a centenas de pessoas construir uma carreira a escrever como Raymond Carver ou (num caso em concreto) a ser Raymond Carver. O modelo será mais ou menos familiar. Relações problemáticas ou terminais. Uma casa nos subúrbios dos subúrbios. O marido (Hank ou Herb) a beber no sofá, atormentadamente. A mulher (Ji...
Há um momento em Vida e Destino , a obra-prima do escritor soviético Vassili Grossman, em que o leitor percebe que o protagonista Viktor Strum não é o "herói" do romance, mas apenas mais uma das suas vítimas. Um físico nuclear talentoso e inteligente, Strum vê o valor objectivo do seu trabalho oscilar ao sabor de caprichos ideológicos, e as suas pesquisas sobre mecânica quântica são publicamente vilipendiadas por não serem "reconciliáveis" com a doutrina do materialismo dialéctico. O processo era típico e tipicamente racional. O dissipar de recursos humanos valiosos era instrumental para a sobrevivência do sistema. Se alguém mostrava qualidade suficiente para ser útil ao país, o raciocínio era que mais tarde ou mais cedo mostraria qualidade suficiente para ser uma ameaça ao regime. Só a mediocridade era considerada inofensiva e, portanto, tolerada; o talento - qualquer talento - tinha de ser controlado, ou neutralizado. Isto pode parecer uma patética subordinação ...