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Partita

Esta manhã, reabriu a Vandoma. Numa banca, um tipo vendia um violino «Stardivarius».

Nortada

O Governo decretou a «libertação total do país», a partir de 1 de Agosto. Os jornais falam em «caminho da libertação», «plano de libertação», «libertação da sociedade e da economia». Com um pouco de imaginação, até conseguimos ouvir os ventos da Normandia a soprar nas praias da Foz.

Primavera no Porto

Saio cedo, antes do trabalho, para ir à frutaria. Na rua, uma fila interminável de carros estende-se a perder de vista, ao longo de Antero de Quental. Dezenas de latas paradas, guinchando, roncando, zunindo, tossindo, bramindo, ensurdecendo, como uma fábrica infernal de nada. Aqui e ali, ergue-se um autocarro vazio, como um elefante morto e empalhado. E é tudo. Ah, o perfume primaveril da cidade pós-desconfinamento!

Hábito

Ao fim de um ano, passado o primeiro terror, instalou-se uma nova calma. Uma calma que tem menos que ver com esperança e mais com impotência. Pouco a pouco, a cidade retoma a vida, com ou sem restrições. As pessoas formigam pelas ruas e praças, ocupando-se de mil e uma insignificâncias. A vida não depende dos números, mas do hábito.

Casa em chamas

Leio nos jornais que passou um ano desde o aparecimento dos primeiros infectados pelo coronavírus em Portugal. Entretanto, nos últimos dias, comentadores e analistas, de todas as classes e géneros, têm exigido do Governo um «plano de desconfinamento», para que «não se repitam os erros do passado».  Ocorre-me o final de O Sacrifício , de Tarkovski: a famosa cena da casa em chamas. Há um documentário curioso sobre a rodagem do filme chamado Sätta Ljus , de Kerstin Eriksdotter. Nesse documentário, acompanhamos a preparação e as filmagens de várias cenas, e dessa última em particular. Tarkovski e a equipa, que incluía um corpo de bombeiros e outros especialistas em incêndios, planearam tudo até ao mais ínfimo pormenor, mas houve um problema com a câmara. As imagens do rosto de Tarkovski, dominado pelo desespero, são impressionantes. Para ele, o filme só era concebível com aquela cena. O investimento era avultado. Prepararam tudo pela segunda vez. A casa ergueu-se de novo, no mesmo...

Loop

Uns confinam, outros desconfinam. Os que desconfinam agora, confinarão mais tarde. Os que confinam hoje, desconfinarão amanhã. O vírus parece que vai e volta, mas na verdade não vai a lado nenhum. É como se estivéssemos a assistir em loop àquela cena de Ecce Bombo em que Michele Apicella, o personagem de Nanni Moretti, se despede várias vezes dos amigos, mas nunca chega a sair do lugar.