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Anexos sanitários

A arte contemporânea é uma zona sacrificial que absorve todas as correntes envenenadas que aparecem incessantemente e pelas quais toda a gente seria infectada. Pensa-se que é um campo alternativo, mas na realidade é um dos anexos sanitários da cultura de massas, como, por exemplo, uma fábrica com anexos técnicos que asseguram a evacuação das águas contaminadas (...) Parece-me que a a arte contemporânea desempenha exactamente esse papel: as ideias e as imagens potencialmente perigosas são para aí canalizadas, e tudo funciona perfeitamente. É um mecanismo de evacuação, e os artistas ficam com a ilusão de ser uma alternativa, de se opor à cultura de massas, quando na realidade eles são uma função dela, os seus cuidadores. Pavel Pepperstein, citado por Jovan Mrvaljevic, na revista Electra  n.º 14. Tradução de António Guerreiro.

Mão de Deus

Uma enfermeira brasileira criou a Mão de Deus: duas luvas de plástico com água morna no interior e os dedos atados para formar uma só peça envolvente. Serve para dar algum conforto aos doentes que estão hospitalizados sem contacto com ninguém. Tem substância material e simbólica como uma obra de arte sem cair no experimentalismo afectado. Apesar da serventia, é uma obra de arte em acção — como uma ponte?

Obras

Os tipos das obras escreveram “FIM” no cimento junto à porta do edifício onde vivo. A palavra — letras maiúsculas, vermelho sangue de boi — ocupa mais ou menos dez por dois centímetros. Vai desaparecer quando fizerem o novo piso de alcatrão. Classificação: ao nível das melhores obras efémeras de Banksy. Ofusca os monstrengos da Joana Vasconcelos.

Monumento aos fundos imobiliários

Só me apercebi do valor e consistência da obra hoje. Vinha no 305 a observar o movimento da cidade. Ao subir Sá da Bandeira vi melhor o quarteirão da antiga Casa Forte; quer dizer, vi pela primeira vez, de modo inabitual, a fachada do edifício antigo suportada por uma composição de vigas de aço corten — para além destas linhas, um buraco a céu aberto. O efeito é poderoso. Talvez seja por causa do contraste entre os três elementos: a fachada vulgar, esburacada, delgada; a geometria e solidez das vigas; o enorme espaço interior desfeito e vazio. Ou a localização, tudo aquilo apertado por uma malha urbana densa. Sem respirar. De dia nem precisa de iluminação, está ali para quem quiser ver. Monumento aos fundos imobiliários. Autor desconhecido.

Observações avulsas sobre a boavista #17

Descer a avenida pelo lado direito. Atravessar a ponte sobre a via de cintura interna quase até ao fim. Parar um tempo por cima dos carros e camiões que passam velozes em direcção à Arrábida. Abarcar a estrada, os veículos, os painéis e a vegetação que cresce a monte — no mesmo plano. Esqueçam Serralves, o melhor sítio na Boavista para perceber a arte contemporânea é aqui.

Gabinete de Patentes, Lda

Em rigor e ao contrário do que apregoa, o mercado é preguiçoso e não se ajusta aos nossos desejos mais profundos. Há por aí tantos dispositivos tecnológicos que não servem para nada e outros, que nos fazem uma falta tremenda, ainda não existem. Neste momento — posso afirmá-lo com absoluta certeza — é urgente a invenção de um detector de arte contemporânea. Já pensei no assunto e tenho uma ideia para o protótipo: deve ser um objecto portátil e discreto feito de material nobre (titánio ou zircónio são boas hipóteses), com um olho a meio como os ciclopes e um rasgão por onde sai uma tira de papel, semelhante às mensagens dos bolinhos de sorte chineses, com o veredicto. O procedimento é fácil. Exemplo um: vamos pela rua fora, encontramos um volume indefinido debaixo duma arcada, apontamos o detector e, se for uma obra de arte, paramos para observar e tecer alguns comentários elevados. Se for um tipo que está para ali a dormir, “é a vida” e seguimos caminho. Exemplo dois: deparamos