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O pátio do bisavô

Uma das cenas que melhor descreve os mecanismos sinuosos da memória surge quase no início do livro. Em 2011, um conhecido de Maria Stepánova convidou-a para participar numa conferência em Sarátov. Ela não conhecia a cidade mas, como era a terra do seu bisavô, resolveu aceitar o convite e aproveitar para investigar.  O conhecido conseguiu descobrir onde o seu bisavô vivera cem anos antes e ela foi à rua Moskóvskaia à procura do passado. Apesar de nunca lá ter estado, vai reconhecendo o pátio, as vedações, um arbusto, as paredes tortas, a madeira, os tijolos — tudo aquilo era nosso , escreve.  Uma semana depois o tal conhecido telefona-lhe para dizer que se enganara no endereço, o bisavô tinha de facto vivido naquela rua mas noutro número. Maria Stepánova conclui: Isto é mais ou menos tudo o que sei da memória .

Tudo rima

Memória da Memória , de Maria Stepánova, começa com uma citação de Lewis Carroll: « Que interesse tem um livro — pensou Alice —, se não tem figuras nem conversas? » E logo na página 15 uma nota de rodapé explica que sentar-se antes de partir de viagem é um costume antigo na Rússia . Mais do que o título, foram estas frases que atiçaram a minha curiosidade — é disso que se trata. O livro é um livro , claro, mas é também um sítio de confluência que recolhe coisas passadas sem ligações evidentes (definição básica de memória). Uma série de relatórios preliminares, pode-se dizer assim, sobre a família de Maria Stepánova, os judeus, os russos e todos nós — mas que não haja engano, o que é considerado principal já está em acção: dentro e fora das palavras, das imagens, dos objectos. Como nos obriga a fazer muitas pesquisas de reconhecimento (fotografias de Francesca Woodman, pequenos bonecos de porcelana fabricados na Alemanha desde o século XIX e mais tarde conhecidos por frozen Charlotte...