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Espelho

Ainda é possível pensar em certos livros ou filmes como meros exercícios da imaginação? Volto atrás. Tento lembrar-me da primeira vez que vi «O Cavalo de Turim». A tela do cinema era uma tela de cinema. Agora, percebo que era um espelho.

A baleia empalhada

«Um filme não é verdadeiramente bom senão quando a câmara é um olho na cabeça do poeta. Os distribuidores, naturalmente, estão todos de acordo em que os poetas não fazem vender lugares. Não adivinham de quem nos vem a própria linguagem do cinema. Sem poetas, o vocabulário do filme seria demasiado limitado para agradar ao público. O equivalente a uma tagarelice de crianças não faria venderem-se muitos lugares. Se o cinema não tivesse nunca sido amoldado pela poesia, teria permanecido como simples curiosidade mecânica e seria ocasionalmente exibido como uma baleia empalhada.» Orson Welles, 1958. Tradução de Luísa Ducla Soares. Béla Tarr, As Harmonias de Werckmeister , 2001.

Algoritmo

“O algoritmo tenta sempre procurar algo um pouco mais controverso em relação ao que você pesquisou, de maneira que as sugestões que ele te mostra são invariavelmente mais radicalizadas com a intenção de te prender na plataforma”, explica Marco Bastos, professor associado do departamento de Sociologia da City, Universidade de Londres. De uma busca inicial por um discurso de Donald Trump, por exemplo, em poucos cliques é possível cair em um vídeo de conteúdo neonazi. Revista Cult . Três variações ainda mais radicais do algoritmo a) De uma busca inicial por um livro de José Rodrigues dos Santos, por exemplo, em poucos cliques é possível cair num vídeo sobre Dostoiévski. b) De uma busca inicial por uma novela da TVI, por exemplo, em poucos cliques é possível cair num vídeo sobre Béla Tarr. c) De uma busca inicial pelo último disco dos Xutos, por exemplo, em poucos cliques é possível cair num vídeo sobre Karlheinz Stockhausen.

Ideia para uma tese

Identificar todos os pontos de contacto entre os dez intermináveis minutos da curta-metragem Hotel Magnezit , de Béla Tarr , e o romance breve (talvez exista um outro nome para isto) de Joseph Roth, Hotel Savoy . Também vieram ter comigo pessoas dos últimos andares, e a procissão nunca mais acabava. Percebi que nenhuma dessas pessoas estava voluntariamente no Hotel Savoy. Todos estavam amarrados por uma infelicidade, e para todos o Hotel Savoy constituía a infelicidade, e ninguém sabia distinguir bem entre o hotel e a infelicidade. Todos os azares aconteciam neste hotel e acreditavam piamente que a infelicidade se chamava Savoy. Joseph Roth, Hotel Savoy .

Quatro breves notas sobre O Cavalo de Turim

Não havia horizonte, salvo não haver horizonte. F. Pessoa, A estrada do esquecimento. 1) Endgame Se Béla Tarr decidisse filmar Endgame , de Samuel Beckett, talvez o resultado não fosse muito diferente de O Cavalo de Turim . Uma casa isolada numa planície quase deserta. Dois personagens ali encerrados, um homem e uma mulher, pai e filha. Uma porta e uma janela. O que sabemos do exterior resume-se quase exclusivamente ao que é possível observar a partir dessa janela. Dias e noites sucedendo-se, aparentemente iguais entre si. HAMM (...) Como está tudo? CLOV Como está tudo? Numa palavra? É o que queres saber? Um segundo (aponta o óculo para fora [da janela], observa, baixa o óculo, volta-se para Hamm.) Mortibus. Samuel Beckett, Fim de partida . 2) Deus criou o mundo em seis dias, o mesmo tempo que demorou a destruí-lo A narrativa de O Cavalo de Turim decorre em seis dias, ao longo dos quais cada coisa se vai apagando, numa espécie de lento e inexplicável desmaio.