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Mensagens

Persona non grata

Quando estou a trabalhar nas traduções de Cioran, faço muitas pesquisas para perceber melhor o que ele quer dizer e para tentar encontrar formulações vulgares que estejam de acordo com os seus pensamentos. Isso implica muito mais do que consultar dicionários. Muitas vezes vou dar a sites religiosos ou místicos. Gostava de saber como é que a Google interpreta estas movimentações, quer dizer, o que é que acham que me podem vender.

Notas de tradução

Num dos livros mais bem traduzidos que conheço, refiro-me a  As Variedades da Experiência Religiosa de [William] James, encontrei apenas uma coisa duvidosa: “os abismos do cepticismo” ... Devia ser da dúvida , pois em francês o cepticismo contém uma nuance de diletantismo e de ligeireza que exclui qualquer associação com “abismo”. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972

Decoração de Interiores

Por causa da gata — miúda e irrequieta —, tivemos de tirar da sala tudo que lhe serve de brinquedo e colocar umas caixas de cartão a impedir o acesso a fios eléctricos. Parece que vamos fazer obras em casa ou estamos de saída. Nunca este espaço refletiu tão bem o nosso tempo e o nosso interior.

Objectos herméticos

O filme estava mal indexado, comecei a vê-lo na cena em que um tipo sai da mala do carro americano de Alain Delon. Achei o início tão selvagem e audaz que nem dei pela falta do genérico. Só quando me chamaram a atenção é que percebi que faltavam mais de trinta minutos com informações cruciais sobre personagens e objectivos (tralha narrativa?). O filme completo também é bom (abre com uma citação falsa sobre Buda, segue os princípios austeros do cinematógrafo, etc, etc.), mas prefiro a versão diminuída — tenho um fraquinho por objectos herméticos.

Ultrapassagem

Ontem à noite vi A Ultrapassagem , de Dino Risi, na televisão. É um filme notável sobre um diabo e um jovem Fausto a voarem num descapotável, pelas estradas de Itália, a 120 km/h. Alguma moral a reter nesta história? Nenhuma. O diabo e o jovem, Vittorio Gassman e Jean-Louis Trintignant, assumem os seus papéis sem subterfúgios nem equívocos. Conhecem-se desde o princípio dos tempos. Um produz magias, o outro paga para ver.

Ruínas

O dentista desvitalizou o dente que me doía há semanas. Arrancou-lhe o nervo pela raiz. Ficou esta ruína útil no meio dos molares. Vão-se acumulando assim as ruínas no meu corpo. Uma após outra. Lenta, silenciosa arqueologia.

Modelos

Ao sair de casa, resolvi imitar o Alain Delon: apertei o cinto da gabardine bege e repeti aquele jeito que ele faz aos ombros. Não somos parecidos, nem sequer tenho um carro americano, mas sou tão calada como ele nos filmes do Melville. Já é qualquer coisa.

Fork

This strange thing must have crept  Right out of hell.  It resembles a bird’s foot  Worn around the cannibal’s neck.  As you hold it in your hand,  As you stab with it into a piece of meat, It is possible to imagine the rest of the bird:  Its head which like your fist  Is large, bald, beakless, and blind.  Charles Simic, Selected Early Poems (George Braziller Inc., 1999)

Tinha paixão

Morreu o Jorge Silva Melo. Não há biblioteca em Portugal, pequena, grande, pública ou privada, que não tenha pelo menos um livro escrito, traduzido, editado ou prefaciado por ele. E são todos importantes. Depois, há ainda o teatro e o cinema, que no seu caso também começam e acabam nos livros. Tinha setenta e três anos. E tinha paixão.

A imagem pode não corresponder

Na embalagem de ervilhas congeladas, no canto inferior direito, uma frase em letras pequenas: «A imagem pode não corresponder exactamente ao produto, sendo meramente demonstrativa.» Quantos programas televisivos não deviam ser acompanhados por uma frase semelhante? Qual a diferença entre certos noticiários da televisão e o rótulo publicitário de uma embalagem de ervilhas congeladas? Na verdade, há uma diferença no conteúdo: as ervilhas tiram a fome.

Facebook permite temporariamente posts violentos contra tropas russas ou que peçam morte de Putin.

A Meta [empresa do facebook] vai permitir, ainda que temporariamente, que os utilizadores do Facebook e do Instagram de alguns países clamem por violência contra soldados russos. Esta informação consta de uma série de e-mails a que a agência Reuters teve acesso nesta quinta-feira e que falam de uma mudança temporária na política de discurso de ódio das plataformas. A empresa de redes sociais também vai autorizar a divulgação de publicações que peçam a morte dos presidentes russo, Vladimir Putin, ou bielorrusso, Alexander Lukashenko, em países como a Rússia, Ucrânia e Polónia, de acordo com um conjunto de e-mails internos enviados para os moderadores de conteúdos. (...) Foi dito ainda que os apelos à violência contra os militares russos são permitidos quando a publicação se refere claramente à invasão da Ucrânia. Estas mudanças temporárias nas políticas da empresa aplicam-se na Arménia, Azerbaijão, Estónia, Geórgia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Roménia, Rússia, Eslováquia e Ucrâ