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Mensagens

Conto para Sara

O que aconteceu a uma menina Era uma vez uma menina pequena que foi passear a boneca e encontrou dois passarinhos muito simpáticos. Fez-lhes uma ligeira reverência e disse-lhes: «Bom-dia, passarinhos!... Querem brincar comigo?... Tenho pevides no meu saquinho e dou-lhes também.» Um dos passarinhos disse: «Eu quero!» E o outro disse: «Eu também!» E divertiram-se muito quase até à noite. A certa altura, os passarinhos disseram: «Agora queremos ir embora.» Ora bem, juntamente com a noite a chegar, chegou também à cabeça da menina um pensamento maldoso; disse aos passarinhos: «Ainda tenho pevides no fundo do meu saquinho; se quiserem, podem vir buscá-las.» Os passarinhos foram muito depressa e, crac!, a menina apertou logo os cordões e os passarinhos ficaram presos. De nada lhes valeu gritarem e gritarem: a menina levou-os no saco. Nessa mesma noite, rondava precisamente por ali um gatarrão. Ao ouvir gritar os passarinhos, apareceu logo a correr. Quando a menina o viu fez-lhe uma das suas

Ficções de Wong Kar-Wai

Em 1944, Jorge Luís Borges publicou aquele que é talvez o mais popular e influente dos seus livros: Ficções . Um dos contos desse livro intitula-se A Biblioteca de Babel . De acordo com a imaginação de Borges, a Biblioteca de Babel é um “universo” composto por um número indefinido de galerias, com vastos poços de ventilação, intermináveis pisos e uma escada em espiral, que se afunda e se eleva a perder de vista. A biblioteca alberga um número infindável de livros, sobre todos os assuntos e em todas as línguas, vivas, mortas e desconhecidas, e é habitada por numerosos bibliotecários que por ali vagueiam na tentativa de encontrar O livro . Em 1994, exactamente 40 anos após Ficções , Wong Kar-Wai apresentou Chungking Express . Para um realizador que, como Borges, parece obcecado com o tempo e a relação entre os números, a coincidência das datas é mais do que uma simples curiosidade. O cenário do filme é um imenso complexo imobiliário, localizado no coração de Hong Kong, chamado Chungking

Aprender a escrever com os mestres

No espectro deste conto, os raios principais são o dourado, o vermelho e o lilás porque a cidade está cheia de cúpulas, da revolução e de lilases. A revolução e o lilás estão em plena floração, pelo que é possível, com toda a fidedignidade, tirar a conclusão de que o ano é o de 1919, e o mês é o de Maio. Evgueni Zamiatine, O Xis. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

Deus

Começa a fazer-se tarde. A festa está no auge. Os alegres companheiros são todos cor, barulho, amor. As lindas raparigas, desapertadas, descompostas, abandonam-se. Os seus olhos entrecerram-se docemente, e os seus lábios que se entreabrem deixam aperceber tesouros húmidos de púrpura e de nácar. As taças, nunca cheias e nunca vazias! Esvoaçam no ar as canções, ritmadas pelo tilintar dos copos e pelas casquinadas de riso das lindas raparigas. De súbito, o velho relógio da sala de jantar interrompe o seu tiquetaque monótono e resmungão para ranger raivosamente, como faz sempre quando lhe dá para bater as horas. É meia-noite. As doze badaladas caem, lentas, graves, com aquele ar de ralho próprio dos velhos relógios patrimoniais. Parecem dizer-nos que já muitas badaladas deram eles para os nossos avoengos desaparecidos e que ainda muitas mais darão para os nossos netos, quando nós já não estivermos cá. Sem se aperceber, a nossa alegre companhia pôs uma surdina à sua balbúrdia e as

Allais é grande

Um dos livros mais queridos da nossa Colecção Avesso já chegou. É uma antologia belíssima de Alphonse Allais, 63 Histórias de Humor e 1 Poema Melancólico , com uma tradução magnífica de Filipe Guerra. O design (já não tenho adjectivos) é dos inevitáveis Lina&Nando , responsáveis pelo grafismo da colecção. O livro já está disponível no sítio da editora Exclamação e em breve nas livrarias.

Um postal de Budapeste

Örkény pop István Örkény é um escritor popular na Hungria. Em qualquer livraria ou alfarrabista podem encontrar-se vários dos seus volumes. Uma amiga que viveu largos anos em Budapeste, disse-nos que muitos húngaros conhecem de cor as suas histórias. Na rua Szent István, perto da estação ferroviária de Nyugati, há uma livraria meio de plástico, que faz lembrar as nossas Bertrand, chamada Örkény István Könyvesbolt , ou seja, Livraria István Örkény. Coisa tão natural como cá existir uma Livraria Camões ou Bocage. O único livro traduzido entre nós, Histórias de 1 minuto , ou Contos de um minuto , na versão de Ernesto Rodrigues (1983), é dos poucos que não conseguimos encontrar nas livrarias que visitamos. Pelos vistos, esgota facilmente. O problema dos húngaros é não saberem português: o primeiro volume das Histórias de 1 minuto , da Cavalo de Ferro (o segundo volume nunca chegou a sair), andou aos pontapés, durante anos, pelas feiras de fundo de catálogo a 1 euro ou menos.