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Mensagens

Oh, my stomach, my stomach.

Two chairs were placed side by side in the middle of the room. There the heroes were seated while the partisans ranged themselves right and left, waiting for the wits to sparkle and flash. Joyce said, ‘I’ve headaches every day. My eyes are terrible.’ Proust replied, ‘My poor stomach. What am I going to do? It’s killing me. In fact, I must leave at once.’ ‘I’m in the same situation,’ replied Joyce. ‘If I can find someone to take me by the arm. Goodbye!’ ‘Charmé,’ said Proust. ‘Oh, my stomach, my stomach.’ William Carlos Williams.

Espíritos cultivados

Um espírito cultivado como esse não tem verdadeiramente interesse para mim. Admiro-o, aprecio tous les soins et les peines que foram necessários para o produzir - mas deixa-me fria. Afinal de contas, a aventura está terminada. Agora já não resta nada a fazer senão podar, aparar, ligar as ramadas - e todos estes labores são um pouco deprimentes. Não, não, os espíritos que amo devem conservar ainda certos cantos selvagens, a desordem de um pomar onde os sombrios abrunhos roxos chovem sobre a erva pesada, um pequeno bosque crescendo ao abandono, a possibilidade de uma cobra ou duas (cobras verdadeiras…), um lago a que ninguém sondou a profundidade e atalhos, atalhos recamados dessas pequenas flores plantadas pelo espírito… É necessário também que tenha esconderijos verdadeiros e não menos artificiais, belvederes ou labirintos. Nunca encontrei um espírito cultivado que não tivesse alamedas arborizadas. E eu detesto, abomino as alamedas arborizadas. Katherine Mansfield, Diário . Traduçã

Atum, cachucho e cavala

António Maria de Oliveira Bello (OLLEBOMA), Culinária Portuguesa , Edição do Autor, Lisboa, S.d.

Aquilo em que ninguém reparara antes

Ninguém sabia de onde viera nem como chegara à cidade. Apareceu aqui um belo dia e foi tudo. O mais certo é ter caído das nuvens ou brotado do chão como uma erva rara. O fio do mistério começava justamente neste ponto. Passava os dias e as noites sentado nas esplanadas a enrolar cigarros e a espiar vagamente o plácido curso das horas. Fazia lembrar – que os grandes mestres da literatura me perdoem – um morno e indolente gato ao sol. De vez em quando pegava num livro, sem intenção de ler, abria-o ao acaso e punha-o logo de parte. Depois, engolia uma cerveja sem parar para respirar e ficava a olhar saudosamente para o copo vazio. Metia conversa, gracejava, contava anedotas no melhor dos ânimos. E quando era convidado para uma partida de cartas, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos empregados. Penso que tudo isto é o que se pode chamar um procedimento esquisito. Intrigados, muitos de nós começaram por conceber teorias fantasistas e abracadabrantes, rejeitando um
Jean Paul, retratado por Heinrich Pfenniger, 1797-1798.

Jean Paul, autor de Maria Wutz de Auenthal, autor de Borges, autor de Pierre Menard, autor do Quixote.

O tal facto importante que, ao que parece, é essencial conhecer antecipadamente, é o seguinte: Wutz tinha - não comprado, como é que ele a poderia ter comprado? - mas escrito, pela sua própria mão, toda uma biblioteca. O seu tinteiro foi a sua tipografia de bolso. Qualquer produto novo da feira [do livro], cujo título fosse descoberto pelo mestre-escola [Wutz], estava, por assim dizer, de imediato escrito ou comprado. Pois a verdade é que se lançava imediatamente ao trabalho, aprontava o produto e oferecia-o à sua notável colecção de livros que, tal como as dos pagãos, era exclusivamente composta por manuscritos.  (…) Depois de ter enchido desta maneira, ao longo dos anos, a sua estante, com o que ele próprio escrevera e estudara, acabou por acreditar que os seus manuscritos eram os autênticos textos canónicos, enquanto os impressos não passavam de simples contrafacções dos seus. Queixava-se unicamente de não poder compreender - ainda que lhe oferecessem um bailado - a razão que leva

Devia ser papéis

"Mas porque está ele assim [magro, pálido e sem cabelo]?" disse Anna Pávlovna. "Deve ser de escrever, senhora." "Escrevia muito?" "Muito. Todos os dias." "E o que escrevia ele? Papéis?" "Devia ser papéis." "E porque não o impedias?" "Tentei, senhora: 'Não fique aí sentado, Alexándr Fiódorytch', dizia-lhe eu, 'vá dar uma volta. Faz bom tempo, muitos cavalheiros vão passear. Escrever para quê? Dá cabo dos pulmões e a mamã fica zangada...'" "E ele o quê?" "Ele dizia: 'Põe-te a andar! És maluco!'" Ivan Goncharov, A história de sempre . Tradução de Manuel de Seabra.

Problema

A dispara uma flecha na direcção de B . Exactamente a meio da trajectória, a flecha faz um desvio de 106º e atinge C no peito. De um ponto de vista matemático, como é isto possível? Justifique a sua resposta apresentando os respectivos cálculos.

Se isso lhe agrada, leitor, por que não?

Uma mulher. Um homem. A mulher tem óculos. O homem tem um guarda-chuva. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos e uma saia de renda. O homem tem um guarda-chuva e cabelo à escovinha. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos, saia de renda e um cigarro entre os dedos da mão esquerda. O homem tem um guarda-chuva, cabelo à escovinha e um cachimbo na mão direita. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos, saia de renda, um cigarro entre os dedos da mão esquerda e uma barbatana em lugar da perna direita. O homem tem um guarda-chuva, cabelo à escovinha, um cachimbo na mão direita e uma gaveta de mesa-de-cabeceira em lugar da boca. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos, saia de renda, um cigarro entre os dedos da mão esquerda, uma barbatana em lugar da perna direita e pedala tranquilamente pelos campos verdes numa bicicleta azul. O homem tem um guarda-chuva, cabelo à escovinha, um cachimbo na mão direita, uma g

E afinal as respostas não surgem

Você coloca perguntas, o leitor pensa ir encontrar as respostas, e afinal as respostas não surgem... AP - Isso faz parte integrante do meu modo de comunicar (...) Os meus textos têm muitas vezes um carácter enigmático, parecem não ter saídas. Isso é propositado. As saídas é o leitor que as tem que encontrar, eu não lhas posso fornecer. Senão caímos sempre no mesmo. Na História... A História é uma sequência terrível de pessoas a darem soluções aos outros (...). Seria um abuso da minha parte dizer como é que é bom, como se deve fazer... Alberto Pimenta, fragmento de entrevista incluído em Metamorfoses do video . Sábado, 2 de Julho, pelas 17h00, no Gato Vadio.

Balada

(...) Artur de Souza Gargo ficou também conhecido pelo seu grande chiste e espírito. Assim, conta-se que uma noite, numa recepção, estando seu filho Nuno à janela, a contemplar os astros por um óculo que lhe fora oferecido por sua tia Manuela, Artur Gargo veio por trás, pé ante pé, e dando-lhe um piparote que o fez bater com o óculo no olho, disse: «Agora é que tu viste as estrelas!» A hilariedade foi geral; uma vez mais Artur de Souza Gargo tinha dado mostras do seu sadio humor, tão português. A família ainda hoje gosta de contar o episódio e Nuno, o alvejado, é o primeiro a rir gostosamente, ajeitando a pala do olho. Alberto Pimenta, Metamorfoses do video . Sábado, 2 de Julho, pelas 17h00, no Gato Vadio.

Próximo sábado, 2 de Julho, pelas 17h00

No próximo sábado, 2 de Julho, concluimos mais um ciclo, o quinto, das Leituras do Gato Vadio. Haverá uma sessão-festa, com oferta de rebuçados e lambarices à tripa-forra, dedicada a Alberto Pimenta. A convidada é a Leonor Figueiredo e a imagem da leitura é do Luís Nobre, da dupla Lina&Nando . A entrada, como sempre, é livre.

Incomoda-me um pouco ter de escrever isto

Um homem acorda a meio da noite. Senta-se na beira da cama, coça as costas, resmunga qualquer coisa, tacteia o chão com os pés à procura das pantufas. Encontra as pantufas ao fim de sete segundos, mais coisa menos coisa, ajeita-as com a pontinha dos dedos e calça-as. Dirige-se à porta e, de repente, perde-se na escuridão do quarto. De vista curta e sem os óculos, começa a caminhar sem distinguir coisa alguma. Avança durante longos minutos, incapaz de encontrar o caminho. É como se levasse um tempo incomensurável a atravessar o quarto. “Estranho”, pensa modestamente. Há várias horas que caminha no escuro, tentando descobrir uma saída ou o sentido oculto de tudo aquilo. Não consegue vislumbrar nada além da profunda treva à sua volta. O cansaço obriga-o a abrandar o passo. Exausto, descalça as pantufas, deita-se no chão e tenta adormecer rapidamente para que a noite passe depressa. Os nervos, no entanto, mantêm-no acordado. Fecha as pálpebras com mais força; o sono não vem. Ergue-se de no