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Mensagens

A ideia ocorreu-me uma vez:

se se queria aniquilar, esmagar, castigar um homem de modo bastante implacável, para que o pior bandido tremesse de medo antecipadamente, bastaria dar à sua tarefa um carácter perfeitamente absurdo, de absoluta inutilidade. Os trabalhos forçados actuais, apesar de não apresentarem qualquer interesse para o preso, nem por isso são desprovidos de sentido. O forçado-trabalhador faz tijolos, cava o solo, tritura o gesso, reboca construções, e nesses trabalhos aplica a inteligência e tem um fim. Às vezes chega a interessar-se pela sua obra e a procurar fazê-la melhor e mais habilmente. Mas se o empregarem, por exemplo, a transvasar água de uma vasilha para outra e desta para a primeira, a britar pedra ou a transportar montes de terra de um lugar para outro, para os voltar a pôr, em seguida, no seu lugar inicial, julgo que ao fim de alguns dias se estrangulará ou cometerá mil delitos, a fim de merecer a morte ou escapar a semelhante rebaixamento, a semelhante vergonha, a semelhante tormento.

Advertência ao meu editor

De todas as cartas que tenho recebido de leitores, meu caro Mestre [editor] Rowohlt, é esta a que me parece melhor. Vem de um aluno dos últimos anos duma escola técnica de Nuremberga. «Caro senhor Tucholsky: Permita-me que lhe expresse o meu total apreço pelas suas obras. Já sei que isso a si tanto se lhe dá, mas eu gostava de fazer ainda outra observação. Oxalá morra nos tempos mais próximos para os seus livros ficarem mais baratos (como Goethe, por exemplo). O seu último livro é mais uma vez tão caro que ninguém lhe consegue chegar. Cumprimentos.» Ora toma! Caro Mestre Rowohlt, caros senhores editores! Façam-nos os livros mais baratos! Façam-nos os livros mais baratos! Façam-nos os livros mais baratos! Kurt Tucholsky, Hoje entre ontem e amanhã . Tradução de Renato Correia. Sábado, 1 de Outubro, 17h00, no Gato Vadio.

A nossa literatura é cheia de possibilidades

Deitei as mãos ao meu primeiro livro de Elena Ferrante na semana em que o Presidente da República recomendou ao primeiro-ministro e ao líder da oposição a leitura da tetralogia napolitana. Desviá-los de caminhos e palavreado gastos, encontrar a política em sítios inesperados. Ah, conseguissem eles ganhar a tarefa! Levada pelo acaso e pela ironia, apropriei-me do conselho. Avancei com cautela; não valeu de nada, rapidamente caí no turbilhão. Não nos aproximamos de Ferrante de mansinho. Acho que toda a gente já o disse: a escrita de Ferrante é clara, pungente, voraz. As frases sucedem-se de forma muito exacta; cada palavra é necessária e até as repetições são construídas sem rodeios. Ferrante gosta de ângulos muito fechados; imagino-a com um lápis aguçado, uma régua e um esquadro (agora que penso nisso, parece-me que o conceito de desmarginação — ausência total de ângulos — de Lila pode ser uma manobra para domar o espaço). Talvez estes livros nos ensinem a desenhar cidades mais justa
Kurt Tucholsky.

Isso só não chega

Estamos presos na nossa época como num pequeno lugarejo - vigiados por todos os lados, sempre nas bocas do mundo, toda a gente se conhece e mete o nariz na vida alheia - não há fuga possível. Chega-se às vezes a um ponto que só saindo da nossa época. (...) Mas se isso fosse possível, talvez acabasse uma coisa: a mania das grandezas própria de todas as épocas. O mundo está cheio de provincianos do tempo, de gente que nunca saiu da sua época, que nunca viu outra coisa que não os seus míseros setenta anos. Relatos de viagem já eles leram, ou seja, compêndios de História - mas isso só não chega. Que bem lhes faria se deixassem os ventos do tempo zunir-lhes aos ouvidos. Kurt Tucholsky, Hoje entre ontem e amanhã . Tradução de Renato Correia.