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Mensagens

Dimenticare, ballare.

Che bello sarebbe se riuscissi finalmente a girare quel film musicale, gli anni ’50, a sinistra tutti per Stalin però c’è un pasticcere, trotskista, isolato, calunniato che solo nel suo laboratorio, tra le sue paste e le sue torte, è felice. E dimentica. E balla. Nota: para juntar à lista de Henri Lefebvre.

Ladrar aos pombos

O cão preso na varanda passa o dia a ladrar aos pombos e às gaivotas. Talvez o cão não se resigne com a ideia de que aquelas criaturas nasceram com asas e que consigam voar acima das varandas, acima dos telhados, para lá do horizonte. A ciência explica, mas sou como o cão.

Especial vitalidade

(...) A filosofia, língua morta. “A língua dos poetas é sempre uma língua morta... um dito curioso: uma língua morta que se usa para dar uma vida maior ao pensamento”. Talvez não uma língua morta, mas um dialecto. Que a filosofia e a poesia falem numa língua que é menos do que língua é o que lhes dá a medida do seu alcance, da sua especial vitalidade. Pesar, julgar o mundo medindo-o através de um dialecto, de uma língua morta e, no entanto, fértil, onde não há a mudar uma virgula sequer. Continua a falar este dialecto, agora que a casa arde. (...) A poesia e a palavra são a única coisa que nos resta de quando não sabíamos ainda falar, um canto obscuro dentro da língua, um dialecto ou um idioma que não percebemos completamente, mas que não podemos deixar de ouvir – mesmo que a casa arda, mesmo que na sua língua que arde a humanidade continue a falar em vão.  Existirá uma língua da filosofia, como existe uma língua da poesia? Como a poesia, a filosofia habita integralmente na linguagem e

Obras-primas

Félix Pérez escreve sobre os filmes de Hong Sang-soo: Filme após filme, Hong Sang-soo oferece-nos um assombro após outro. É difícil chamar-lhes obras-primas, não porque não o sejam ou porque sejam menores do que outras consideradas como tal, mas porque essa terminologia, de certa maneira, adultera-as, ofende-as: não pretendem ser obras-primas, não gritam por atenção, não exigem que se reconheça a sua importância. Podíamos usar as mesmas palavras para descrever os livros de Robert Walser.

Magnólia

De vez em quando, por entre o incansável barulho da chuva a bater nos vidros, consigo distinguir o delicado farfalhar da magnólia molhada. Em baixo, melros nervosos divagam por cima das raízes. Parecem muito ocupados com um pensamento importante. Que pensamento? O que sabem os melros que nós não sabemos?

A Casa Amarela

Acontece-me muitas vezes, ao traduzir os textos de Cioran, encontrar palavras francesas que já não se usam. De certeza que as apanhou nos livros antigos (imensos e variados).  (Aparte) Aqui convém destacar que a principal actividade intelectual de Cioran é — não o podemos esquecer — ler. Escrever é importante, é verdade, mas vem a seguir, como a consequência num exercício de lógica. Para Cioran, ler é quase uma actividade orgânica como respirar, uma força vital como pensar.  (Continuando) Isto vem a propósito de uma das entradas do seu diário sobre lágrimas. No fim do parágrafo, Cioran escreveu: Sans quoi, je serais au cabanon.   É preciso recuar uns anos, uns séculos, para perceber o que Cioran quer dizer. Recuperar esse sentido de manicómio e depois escavar até chegarmos à Casa Amarela . Quando estabelecemos essa ligação dinâmica, o nível de serotonina sobe espontaneamente. É uma alegria.

Condições de vida

Ao lutar pelo pagamento dos salários a 100% para os trabalhadores que estão em lay off ou retoma progressiva de actividade, o Partido Comunista melhorou as minhas condições de vida. Posso ligar o aquecedor mais tempo, comprar um vinho melhor e até, de vez em quando, comer bife do lombo. Assim, e sem o saber, o PCP transformou-se no patrocinador oficial das minhas traduções de Cioran até junho.  Merci, camarades!

A boa vizinhança

Não tenho tempo nem coragem para escrever sobre os resultados das eleições presidenciais, mas pelo menos podemos continuar a encarar bem os nossos vizinhos; eu no Bonfim mesmo ao lado de Campanhã, e o Rui em Paranhos. Já é qualquer coisa.

Avisos

Mais um longo e cinzento dia de Janeiro. A chuva parece mais ameaçadora do que nunca. Não é só a chuva e os contínuos avisos meteorológicos. Há mais qualquer coisa. Se acreditasse em Deus, talvez pensasse que era chegado o momento em que as forças sobrenaturais irrompem nítida e cruelmente pela realidade dentro. Como se existisse uma ligação misteriosa entre o estado do tempo e as notícias terríveis dos últimos dias. Lembra a atmosfera que Joseph Roth recria na Marcha de Radetzky . As sombras que antecedem a Primeira Guerra.

Voltar aos clássicos

Jean-Marie Straub: ... Digamos que uma humanidade que só se safa através da violência... é o que eu penso... é coisa muito grave. É muito grave e, um dia, vai ter de surgir outra coisa. Seja como for, vai ser preciso tratar das feridas... Aqui pelo contrário, o que surge lentamente e vai subindo, subindo, não tem nada a ver com um bálsamo. É o contrário. São as árvores da floresta que começam a andar. Danièle Huillet: Apertou o cinto? Jean-Marie Straub: Siga! Obrigado, amigo Às vezes confundimos a mesquinhez do mundo com ofensas ao mundo. Ah! Se houvesse facas e tesouras, escopros, chuços e arcabuzes, morteiros, foices e martelos, canhões, canhões, dinamite. Úlimo diálogo de "Onde Jaz o teu Sorriso?"(inclui, em itálico, uma fala do amolador de "Sicilia!"), Assírio & Alvim

Dia de eleições

O meu filho votou hoje pela primeira vez. No caminho para a assembleia de voto, lembrei-me dos últimos versos do poema «A alegria da maternidade», de Jenny Mastoráki, traduzido pelo Manuel Resende: A minha filha nasceu como todos os bebés. Ao que parece vai deitar fortes pernas para correr rápida nas manifestações. Ao meu filho, que nunca faltem as pernas para correr nas manifestações, as mãos para votar e a cabeça para pensar.

A Perfect Day

Uma adaptação do Tio Vânia. Quinze minutos e as personagens que estão em cena já se aborrecem. Chove. A tinta está a descascar das paredes e das portas. Pausa.  ELENA: Que belo tempo que está hoje... Não faz calor...  Pausa.  VÂNIA: Está bom tempo para uma pessoa se enforcar... Na literatura há mais intersecções do que coincidências

Ir sempre mais longe

Na sua Viagem a Itália , Goethe escreveu qualquer coisa que nos parece destinada. Sublinha uma diferença entre os Antigos e os Modernos que diz respeito precisamente a este ponto. Os Antigos, lemos, fizeram do existente, do terrível e do agradável, o pivot da sua representação, enquanto que se os Modernos se interessam por estes aspectos é pelo efeito que estes produzem. Mas quando o que interessa é a procura do efeito, conclui Goethe, o resultado não pode ser outro que não a hipérbole, a maneira, a afectação. Aquele que opera em busca do efeito não crê nunca tê-lo tornado suficientemente perceptível e deverá, portanto, ir sempre mais longe. É precisamente o que acontece hoje. Quem se preocupa ainda em suscitar julgamentos fundados? O que conta é, pelo contrário, solicitar e administrar as emoções: interceptá-las e fertilizar um terreno propício ao consumo de mercadorias, quer se trate de visões do mundo, de discursos, de imagens, de objectos ou de comunicações. Fabio Merlini, na revis
13 janeiro — Domingo de manhã. Um frio de rachar. Alguns transeuntes com ar destroçado ficam a olhar para mim — talvez me tomem por louco — a cantar a plenos pulmões canções húngaras. Este frio lembra-me os invernos da minha infância — (menos a neve com a qual este país não foi agraciado, infelizmente!), põe-me bem disposto. Reparei que estou quase sempre alegre quando todos os outros estão infelizes. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972.

Práticas antigas

Uma das coisas que aprendi com a história é que aquela cena de queimar soutiens não é um exagero mas uma necessidade. Quando a pomos em prática percebemos que muitas vezes só assim conseguimos ser ouvidos. É um último recurso que salva o direito de expressão. Hoje queimei soutiens numa reunião zoom. Agora vou voltar a Cioran.