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Mensagens

Ideia de uma amiga

Para cada Escola Superior, devia existir também uma Escola Inferior. Uma Escola Superior de Cinema e uma Escola Inferior de Cinema. Uma Escola Superior de Belas Artes e a sua congénere, a Escola Inferior de Belas Artes. Uma Escola Inferior de Saúde, uma Escola Inferior de Biotecnologia, de Comunicação Social, de Teatro, de Hotelaria, de Dança, de Design, e por aí fora. Com que propósito? Ainda não sei. Mas é uma excelente ideia.

Mise-en-scène

Os tacões são importantes, mas o que conta mesmo para ganhar uma discussão com o patronato em que nos tentam encostar à parede com ardis sonsos, é ter lido Michael Kohlhaas, Antígona, e outros livros do género combativo; ter aprendido com Straub e Huillet uma entoação de voz vigorosa e movimentos do corpo leves e decididos. E já agora, também devo a Cioran a escolha das palavras mais destemidas e violentas. No fundo, são eles o meu sindicato.

A alma que perdeu as asas

Há vinte e três anos (em 1937) escrevi um livro inteiro sobre lágrimas. E depois, sem derramar uma única lágrima, nunca mais deixei de chorar.  Quantas horas não terei passado a pensar nas lágrimas que não derramei, que não pude derramar! Vivi toda a minha vida com a sensação de ter sido afastado do meu verdadeiro lugar; se as palavras «exílio metafísico» não tivessem nenhum significado, a minha existência dar-lhe-ia um. Não podemos ser menos deste mundo do que eu — por isso é que pensei tanto em lágrimas. Podia escrever um livro inteiro sobre elas; aliás, escrevi um em romeno . Sentir a própria carne a chorar, o sangue a carregar lágrimas, é do interior de sensações semelhantes que se compreende Plotino quando ele diz que a existência cá em baixo é «a alma que perdeu as asas».  Ter escrito um livro inteiro sobre lágrimas (e santos) — de certeza que isso tem um significado profundo. Tudo o que escrevi reduz-se a isso, a lágrimas agressivas .  Um troglodita e um esteta .   Emil Ciora
Duvido de tudo o que faço. É um defeito que já nem me interessa ultrapassar, digamos que aprendi a tolerá-lo. Sem competências académicas para traduzir Cioran, sei contudo que chego lá quando, a meio das traduções dos Cadernos , começo a chorar ou a rir-me.

O lar e um jornal

Leio no Público que dentro do túmulo de D. Dinis, além das ossadas do rei e do «espólio», os técnicos de restauro encontraram gesso, tijolo, madeira, insectos, plantas, cordas e uma página do Diário de Notícias , datada de Maio de 1938. Tijolo, madeira, plantas e um jornal. Podia ser o anúncio de um promotor imobiliário: apartamentos confortáveis para cidadãos pacatos. Pequenos túmulos em condomínios fechados.

Estofo de escritor

X escreve-me a dizer que gostava de me enviar um jovem muito leal , com carácter, etc., para que lhe dê alguns conselhos em assuntos literários. Respondo-lhe que não lhos posso dar porque não há conselhos nenhuns; mas o verdadeiro motivo da minha recusa é que à priori é duvidoso que este jovem moralmente irrepreensível tenha estofo de escritor. — Não são as nossas qualidades, são os nossos defeitos que prometem .   Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 

Latas de atum

Manchete do jornal: Supermercados estão a colocar alarmes em produtos alimentares básicos, como latas de atum ou garrafas de azeite. Os furtos estão a aumentar “desde o início de Setembro” por “pessoas que já não conseguem sobreviver só com o seu salário e pensão”. O texto é ilustrado com uma fotografia de uma prateleira de supermercado com latas de atum protegidas por sistemas de alarme. A única resposta digna seria todos desatarmos a roubar latas de atum nos supermercados. Dispararem todos os alarmes ao mesmo tempo e por toda parte. Exigir que o atum fosse pago pelos membros de todas as famílias Espírito Santo deste país. Não só o atum, mas também as batatas, o feijão-verde e o azeite. O atum de hoje, o de amanhã e o da semana seguinte. Mas falta-nos a coragem. Falta-nos a coragem. Falta-nos a coragem. Eles sabem isso. Eles sabem isso desde o princípio dos tempos.

Selfie VII

Eu a corrigir as traduções de Cioran (uma e outra vez).

Contas certas

Título do jornal de hoje: «Montenegro defende que “contas certas” do Governo levam país ao empobrecimento.» Se isto fosse um bom filme, Luís Montenegro seria Everett Sloane, na famosa sequência dos espelhos de A Dama de Xangai , a disparar sobre a sua própria imagem, mil vezes reflectida à sua volta. Infelizmente, é só um filme sem graça nem imaginação.

A palidez cadavérica de tanta «saúde»

Seja sob a influência da beberagem narcótica em que os homens e os povos primitivos entoavam os seus cantos, seja debaixo da força da renovação primaveril que se expande alegremente por toda a natureza, são sempre as pulsões dionisíacas que se intensificam levando o elemento subjectivo a dissolver-se inteiramente no esquecimento de si próprio. Durante a Idade Média alemã, multidões cada vez mais numerosas andavam de terra em terra, cantando e dançando, movidas pelo sopro desta força dionisíaca: nesses dançarinos das Janeiras e do São João relembramos os coros báquicos dos gregos cujas origens remontam à Ásia Menor, à Babilónia e às orgias sírias. Há pessoas que, por carência de experiência ou por estreiteza de espírito, se desviam de tais fenómenos com palavras de desdém ou de piedade, como se estivessem diante de «doenças do povo» contagiosas, julgando-se eles próprios no gozo da mais inteira saúde. Tais infelizes nem sequer suspeitam da palidez cadavérica de tanta «saúde», quando na

Combate

Traduzir Cioran não dá créditos em filosofia mas, se nos esforçarmos um bocado, equivale a um curso de língua francesa digno da Sorbonne (da Cantina à Capela).  O meu combate com a língua francesa é um dos mais duros que se pode imaginar. Vitória e derrota alternam — mas não cedo. É a única área das minhas actividades onde mostro algum encarniçamento. Em tudo o resto, faço questão de vacilar.  Em luta com a língua francesa: uma agonia no verdadeiro sentido da palavra, um combate onde fico sempre por baixo.   Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 

A Pedra Triste, de Filippos Koutsaftis

A certa altura, a câmara fixa-se no rosto de uma mulher de oitenta ou noventa anos. Um dos numerosos rostos que, como coros, aparecem no filme. A mulher diz: «Na vida, aguenta-se quase tudo. Se não houver carne, come-se pão com azeitonas. Mas o medo…» Acho que a memória não me trai. Acho que é isto que a antiga refugiada grega diz. Devia ver este filme todos os dias. Com a mesma naturalidade com que me levanto da cama e olho ao espelho de manhã.

Sombra

Ter medo da sua própria sombra. Como não ter medo? Tenho cinquenta e cinco anos e é a primeira vez na minha vida que «percebo» que tenho uma sombra — e não sou eu que a projecto, é ela que me projecta a mim. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 

Primeira página

A canalhice do título em maiúsculas e a vermelho na primeira página do DN para enganar os reformados. Já os estou a ver à porta da tabacaria a ler as gordas e a vociferar.  A jornalista (?) preferiu não explicar que as simulações são feitas sobre valores anuais e têm em consideração o extra de meia pensão de outubro inflacionando os rendimentos de 2022. Preferiu também não acrescentar que o aumento mensal efectivo a partir de janeiro de 2023 será superior aos tais 6 € (29€ para uma reforma de 650€).  Temos uma oposição de merda que joga tudo em esquemas indignos (e que vai contra a sua própria ideologia de direita). E jornalistas de merda que se prestam a estas tarefas de espalhar meias verdades.