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Um filme terrível

Se não me engano, as coisas começam a correr mal no segundo dia quando Jeanne coze demasiado as batatas para o jantar, ela deixa-as a cozer ao fim da tarde quando vai atender os clientes, mas desta vez cozeram demasiado e ela não sabe o que fazer com essas batatas, podia fazer puré, mas quarta-feira não é dia de comer puré (carne estufada com batatas cozidas à terça; panados de vitela com ervilhas, cenouras e batatas cozidas à quarta, rolo de carne à quinta), então leva a panela com as batatas para o quarto de banho talvez para as despejar na sanita mas não despeja e volta para a cozinha, hesita e acaba por as deitar no balde do lixo. A verdade é que desde aí tudo corre não só mal, mas cada vez pior: esquece-se de tapar a terrina da sala onde guarda o dinheiro e às vezes esquece-se de desligar os interruptores e tem de voltar atrás para os desligar, e depois não tem batatas que cheguem para o jantar e tem de ir à loja comprar um saco de batatas tão tarde a uma hora não habitual e o jan

Domesticidade triangular

Acabei a tradução de Uma família de Bruxelas . Vou fazer uma comida picante para o almoço como Natalia Akerman gostava. Ao fim da tarde, Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles .

Faina e folgança

Sonhei com a Chantal. Estávamos sentadas a comer, a beber, a fumar e a dizer piadas. Eu sou como a mãe da Chantal, não tenho jeito nenhum para piadas, mas no sonho safava-me porque estávamos as duas perdidas de riso. Se calhar já lhe tinha contado a cena da Jeanne Dielman destronar o Hitchcock.

Uma família em Bruxelas

Além disso vejo ainda um grande apartamento quase vazio em Bruxelas. Só com uma mulher geralmente de roupão. Uma mulher que acaba de perder o marido. (...) Para traduzir o livro de Chantal Akerman, mudei de método. Traduzi tudo de uma ponta à outra (não são muitas páginas) e depois fui trabalhando esse rascunho em blocos, alguns fáceis, outros muito complicados. Por fim, a parte mais difícil: garantir musicalidade, um ritmo de cantilena porque o texto é quase um monólogo e deve ser dito e ouvido. Lembrei-me de Graça Lobo a dizer a Molly Bloom ou da criada Zerlina tão extrema e foi desse modo teatral que me aproximei de Natalia Akerman — pela voz.  Ando nisto desde finais de janeiro: ponho e tiro palavras, mudo-as de lugar, substituo, volto a substituir.  Às vezes dou por mim a falar com as palavras simples e as repetições de Natalia e rio-me; mas à semelhança do livro, há um lado terrível que fica na sombra (a mãe de Chantal é mestre do fora de campo) e tenho medo de sonhar com Natalia

Lógica do Terceiro Termo Incluído

Laurent Devanne: (...) alors que vous êtes dans une démarche inverse où c’est plutôt les temps morts qui vous intéressent...  Chantal Akerman: ... et qui révèlent les morts. Écoutez, je déteste les trucs binaires. Je pense que dans la victime, il y a parfois du bourreau et dans le bourreau, il y a parfois de la victime. Regarder le monde d’une manière binaire, c’est rester dans tout ce qu’on a eu dans ce siècle. Il y avait le capitalisme, le communisme, je pense que c’est une vision étriquée. Je ne sais pas si ses films sont comme ça. Mais quand vous dites « bourreaux et victimes », je ne veux pas de situation étriquée et binaire. Il faut toujours qu’il y ait un 3ème terme.

Palavras familiares

Estou a traduzir um texto da Chantal Akerman em que ela usa palavras da mãe. Ela é boa a usar as palavras da mãe, consegue agarrar a voz e os medos e a escuridão e o amor que essas palavras encerram. Para fazer o meu trabalho de intermediária, tive de convocar as palavras da minha mãe e da minha avó e, mais uma vez, dei-me conta do enorme património que me deixaram: palavras muito simples, imperfeitas, quase esbotenadas, mas com uma potência desarmante.  Quando usamos as palavras dos mortos acontece uma coisa curiosa, é como se nos encontrássemos a meio do caminho, eles um pouco vivos e nós um pouco mortos.

Livro

Nicole Brenez: Para além dos argumentos de  Les rendez-vous d'Anna (Albatros, 1978) ou Un divan à New York (L'Arche, 1996), publicaste dois livros: uma peça, Hall de nuit (L'arche, 1992), e uma espécie de monólogo, Une famille à Bruxelles (L'Arche, 1998).  Chantal Akerman: Por muitas razões, acredito mais em livros do que em imagens. A imagem é um ídolo num mundo idólatra. Num livro não há idolatria, mesmo que possas idolatrar as personagens. Acredito no livro; quando mergulhas num livro formidável, é como um acontecimento, um acontecimento extraordinário.  Nicole Brenez:  Que livros foram acontecimentos para ti?  Chantal Akerman: Isso era mais quando era nova. Nos últimos anos, Vida e Destino , de Vassili Grossman, publicado quinze anos depois dele morrer, foi um acontecimento. E os Contos de Kolimá , de Varlam Chalamov.  Nicole Brenez:  Duas histórias russas que documentam a guerra e os campos. Chantal Akerman:  Sim. É sempre isso. Chantal Akerman: A Entrevis