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Mensagens

Slawomir Mrozek. Sábado, 31 de Janeiro, nas Leituras do Gato Vadio, a partir das 17h00.

Quero ser cavalo

Como eu gostava de ser cavalo... Bastava que, ao olhar para o espelho, pudesse ver, em vez de pés e mãos, cascos e uma cauda no traseiro e uma cabeça de cavalo autêntica, para ir direito ao departamento de habitação... «Quero um andar grande e moderno», diria. «Tem de preencher uma requisição e esperar a sua vez.» «Ah, ah, ah», havia de rir. «O cavalheiro não vê que não sou nenhum vulgar homem da rua? Sou diferente, sou especial.» Logo a seguir, dar-me-iam um grande e espaçoso andar com casa de banho. Faria espectáculos numa revista e ninguém se atreveria a dizer que não tinha talento - mesmo se o texto não prestasse. Pelo contrário, haviam de elogiar-me. «Não é uma maravilha, para um cavalo?», diriam. «Que cabeça!», comentariam outros. Depois viria todo o gozo dos ditados e provérbios: «Senso de cavalo», «A cavalo dado não se olha o dente», «Um reino para um cavalo», «Um cavalo cinzento»... Havia de despertar o interesse das mulheres. «Você é tão diferente», diriam. E, quan

Sábado, 31 de Janeiro, a partir das 17h00, no Gato Vadio

A imagem, magnífica como sempre, é do Luís Nobre, dos Lina&Nando .

Uma mariposa pousada no tecto

Era o último dia da vida de Emiliano Leprini. Todos o sabiam. Emiliano Leprini sabia-o também. Não devemos ser demasiado sensíveis e escrupulosos nos assuntos relacionados com a morte. A existência é assim mesmo: o fim é certo e há um dia para morrermos. Como disse, o último dia de Emiliano Leprini era exactamente aquele. Descalçou as pantufas, vestiu o seu melhor pijama de lã escocesa e deitou-se tranquilamente à espera. A tarde apagava-se, o sol mergulhava, ainda quente, no mar. A mulher era uma estátua de silêncio à sua cabeceira. Nesse momento, o moribundo observou uma mariposa que estava pousada no tecto. E não só a observou, como a estudou também (voltaremos a este assunto mais tarde, a menos que nunca mais voltemos). Um lenço subiu à fronte da mulher e procurou pudicamente absorver uma ou duas lágrimas tristes. Emiliano tinha sido de muito boa companhia durante toda a vida e um espírito muito pronto, jovial e afável. Dele ninguém podia dizer que fora uma pessoa de trato difíci

Antes das larvas terem morrido de tédio

O tio vivia numa ruela estreita junto a um convento. Ocupava um quarto amplo num rés-do-chão. ("Prefiro o rés-do-chão, meu caro senhor", costumava ele dizer, "a todas essas ideias modernistas de andares elevados e quejandos"). O seu quarto estava completamente cheio de livros velhos, grossos volumes ocupando estantes meio carcomidas pelo caruncho antes das larvas terem morrido de tédio. Slawomir Mrozek, O Elefante . Tradução de Yolanda Artiaga.

As doutrinas de Fourier

E examinaram as doutrinas de Fourier. Todas as desgraças vêm da coacção. Se a Atracção for livre a Harmonia há-de estabelecer-se. A nossa alma contém doze paixões principais, cinco egoístas, quatro anímicas, três distributivas. Tendem elas, as primeiras, para o indivíduo, as seguintes para os grupos, as últimas para os grupos de grupos, ou séries, cujo conjunto é a Falange, sociedade de mil e oitocentas pessoas, que habitam num palácio. Há carros que levam os trabalhadores para o campo todas as manhãs e os trazem à tarde. Usam estandartes, dão festas, comem bolos. Toda a mulher, se assim o quiser, possui três homens, o marido, o amante e o genitor. Para os solteiros, é instituído o Bailadeirismo. - Isto calha-me! - disse Bouvard; e perdeu-se nos sonhos do mundo da harmonia. Graças à restauração das condições climáticas a terra tornar-se-á mais bela, graças ao cruzamento das raças a vida humana será mais longa. Poderão dirigir-se as nuvens como agora se faz com os raios, choverá de

Próximo sábado, 10 de Janeiro

No próximo sábado, 10 de Janeiro, vamos estar na Livraria-Cafetaria Snob , em Guimarães, a partir das 18h00, e na Casa Azul, em Barcelos, a partir das 22h30, para apresentar "Notícias em três linhas", de Félix Fénéon, o primeiro volume da Colecção Avesso . Com a participação de Carolina Lapa (Guimarães) e Eduardo Calheiros Figueiredo (Barcelos). A Snob fica na Rua D. João I, 210A, R/C, em Guimarães (facebook) . A Casa Azul fica na Rua Barjona de Freitas, em Barcelos (facebook da associação Zoom) .

Vendedor de aquecedores

Thomas Bernhard, diz, não tinha particular interesse ou admiração pela academia e por isso deu-lhe um certo gozo quando emprestou livros para uma exposição e participou num ciclo dedicado ao autor alemão, no CCB, e, no meio de um dos debates, teve a oportunidade de frisar que ele, que tanto tinha lido Bernhard, não era um investigador, mas apenas um leitor. “Estavam a tratar-me por ‘professor isto, professor aquilo’”, conta. “E eu disse: ‘Desculpe, há aí uma confusão: eu não sou professor de nada, sou vendedor de aquecedores.” Aqui.

O título desta história é... Oh, diabo! Esqueci-me do título desta história

Era um dia triste, fosco e frio. Elwood Veeblefetzer tinha os pés gelados. Ora, cada pessoa tem as suas manias e a de Elwood era a de não gostar de sentir os pés gelados. Por isso, passara a manhã a matar moscas na tentativa de os aquecer. Também tinha feito isto e aquilo, mas o resultado fora o mesmo: pés gelados. A culpa era obviamente dos sapatos. Saiu de casa para comprar um par novo. Na sapataria, o empregado fez-lhe notar que os sapatos vermelhos tinham esgotado, mas que em contrapartida tinha exactamente aquilo de que ele precisava: um par de sapatos pretos. Elwood ainda torceu o nariz para um lado e para o outro, mas pôs a caixa debaixo do braço, pagou e saiu a correr. Em casa, logo que abriu a caixa, os sapatos saltaram para o chão e desataram a fugir em todas as direcções. Sem vontade de brincar, Elwood dispôs-se a apanhá-los usando de todos os estratagemas. Primeiro, acenando-lhes com falinhas mansas. Depois, tentando esmurrá-los com o punho fechado. Mas de nada lhe servir

Olha! - disse Bouvard

Por fim, interrogaram-se sobre se haveria homens nas estrelas. Porque não? E como a criação é harmónica, os habitantes de Sirius haviam de ser desmesurados, os de Marte de tamanho médio, os de Vénus muito pequenos. A não ser que seja tudo igual em toda a parte... Existem lá em cima comerciantes e guardas, lá se negoceia, lá se batem uns contra os outros, lá se destronam reis!... Algumas estrelas cadentes escorregaram de repente, descrevendo no céu como que a parábola de um monstruoso foguete. - Olha! - disse Bouvard - ali vão mundos que desaparecem. Gustave Flaubert, Bouvard e Pécuchet . Tradução de Pedro Tamen.

Pôr os pontos nos iii

A verdade é que desde parasita a chulo , à fórmula ele (ele sou eu) não quer é trabalhar! ou ao salutar conselho: ó Pacheco por que é que não te dedicas a um trabalho ònesto? por que é que não vais prá estiva?... me têm chovido em cima uma série de incompreensões, que, desculpem, julgo premeditadas. E não mereço. A verdade, ainda, é que à evidência se mostra que eu na estiva não daria rendimento nenhum... e já dei provas que o melhor que faça é sentado a esta máquina. Não a escrever o que querem, ou encomendam, mas o que eu quero. Direito que me arrogo, que defendo e defenderei contra tudo e todos e o mais tenazmente que me for possível. Por todos os meios ao dispor. Com uma força e teimosia que nem VV. sabem. É que não é brincadeira nenhuma: trata-se nem mais nem menos da minha vida. Luiz Pacheco, Figuras, figurantes e figurões . Próximo sábado, 27 de Dezembro, a partir das 17h00, no Gato Vadio.

Próximo sábado, 27 de Dezembro, pelas 17h00

Luiz Pacheco nas Leituras do Gato Vadio. O convidado é o actor José Luís Costa. O cartaz é do Luís Nobre . A entrada é livre.

Preço

É a crise que, para si, leva a uma redefinição do papel da arte? Quando falamos da crise, no singular, parece haver apenas uma [a financeira e económica]. Não é verdade. Uma das crises é ambiental. Depois, há uma crise política. É uma tragédia, mas temos de ser honestos: estamos a encaminhar-nos para uma pseudodemocracia em que os sistemas de pseudorepresentatividade mascaram uma oligarquia. Uma oligarquia sendo um grupo de pessoas bastante fixo – o chamado 1%, a classe dominante. Se olharmos para as consequências da crise, constatamos que a oligarquia maximizou o seu potencial de rendimento. Fê-lo às custas da maioria das pessoas. E os media e a maioria das forças de persuasão usadas para nos convencer de que isso é aceitável dedicam-se a proteger esses interesses. Ou seja: vivemos tempos oligárquicos, a questão é o que vamos fazer a esse respeito. Até que ponto é que a vigência dessa oligarquia afecta os museus e outras instituições da arte? Enormemente. Ao levar o Estado a retir

Elefantes e micróbios

Pudo asentarse Nabokov definitivamente en Harvard en 1957, pero fue rechazado por Roman Jakobson, la estrella del departamento de lenguas eslavas, que atribuía al genio ideas extravagantes sobre Dostoievski. Como algún colega recordaría que Nabokov era un novelista muy distinguido, Jakobson respondió que a nadie se le ocurriría nombrar a un elefante profesor de Zoo­logía. Nabokov, según Boyd, catalogó inmediatamente a Jakobson como espía soviético, es decir, un microbio especialmente maligno. Justo Navarro.