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Mensagens

O homem estava a vender rosas no Areeiro

- Já te contei a história do homem que estava a vender rosas no Areeiro? - Não mana, não contaste. - O homem estava a vender rosas no Areeiro e ao lado estava outro homem a vender fruta. O da fruta já há um pedaço que dizia e repetia, virado para o ar, não para o outro, dizia e repetia: «Estou aqui, estou-te a ir à cara!» E o outro nada, como se aquilo não fosse com ele. Isto durou um bom pedaço, durante um bom pedaço. Até que de repente, quando menos se esperava, o vendedor de rosas disse para o outro: «Fazias melhor se me fosses ao cu!» Alberto Pimenta, Sex Shop Suey. Sábado, 2 de Julho, pelas 17h00, no Gato Vadio.
Ivan Goncharov.

Uma coisa tão de senso comum

Enquanto o tio falava, Alexándr mexia num maço de papéis. "O que é isso?" Alexándr esperara com impaciência aquela pergunta. "Isto… Queria mostrar-lhe… uns versos. Como já mostrou interesse…" "Não me lembro de ter mostrado qualquer interesse…" "Bem vê, tio, eu acho que o emprego é uma ocupação árida, em que não se põe a alma, e a alma tem sede de se exprimir, de partilhar com o nosso próximo os sentimentos e ideias, que a inundam…" "Bem, e depois?" perguntou o tio, com impaciência. "Sinto que a criação é a minha vocação…" "Ou seja, além do emprego, queres fazer qualquer coisa mais - é assim que devo interpretar o que dizes? Pois é muito louvável. E queres fazer o quê? Literatura?" "Sim, tio, queria pedir-lhe que se alguma vez tiver oportunidade de publicar qualquer coisa…" "E tens a certeza de que tens talento? Sem isso, serás um mau trabalhador na arte e de que serve? Se tens talento, então

Maçãneidade

Quando [Cézanne] dizia aos seus modelos: «Sejam uma maçã! Sejam uma maçã!», exprimia o que é prólogo da queda; não só a dos idealistas, tanto os jesuítas como os cristãos, mas a do colapso de toda a nossa forma de consciência substituindo-a por outra. Se o ser humano fosse essencialmente uma Maçã, como era para Cézanne, caminharíamos em direcção a um novo mundo de homens: um mundo com muito pouco para dizer, com homens que conseguiriam, apenas com o seu lado físico e uma verdadeira ausência de moral, manter-se tranquilos. Era o que Cézanne queria deles: «Sejam uma maçã!» A partir do momento em que o modelo começasse a impor a sua personalidade e a sua «mente» passasse a ser um lugar-comum, uma moral, ele sabia muito bem que iria ver-se obrigado a pintar um lugar-comum. A única parte da personalidade que não era banal, conhecida ad nauseam e um vivo lugar-comum, era a sua maçãneidade. O corpo e até mesmo o sexo eram conhecidos até à náusea, eram o connu! connu!, a cadeia infindável da

Próximo sábado, 4 de Junho, no Gato Vadio.

Imagem de Luís Nobre, da dupla Lina&Nando .

Trinta

Às dez da manhã, um senhor gordo, com barba, de fato um pouco amarrotado, apercebeu-se de que tinha o dom de fazer milagres. Bastava um gesto muito simples: fazer deslizar o polegar da mão direita pelas pontas do indicador, médio e anelar da mesma mão. Naturalmente, da primeira vez acontecera por acaso, e curara um gato aflito, instantaneamente. Tratava-se de milagres, não de «realizações de desejos». Quando fez aquele gesto e pediu dinheiro - precisou a importância, bastante razoável - não aconteceu nada. Tinha de ajudar alguém. Curou uma criança, acalmou um cavalo, aplacou as fúrias de um louco homicida, manteve em equilíbrio uma parede que ameaçava cair sobre avós e netinhos. Repugnante: não havia outra palavra. Jamais teria acreditado que ser taumaturgo fosse tão - como dizer? - cheap . O ponto a favor do senhor gordo era só um, mas importante: não era um crente. Não era, propriamente, ateu, pois não tinha um espírito filosófico; mas as religiões, todas elas, davam-lhe nojo. E por