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Pergunta e resposta

A pergunta surge logo no início e volta de tempos a tempos: para onde vão os patos do Central Park no inverno? Ninguém dentro do livro sabe responder a Holden. Aliás, ninguém quer saber para onde vão os patos. No entanto, é uma questão importante, a sério. Fiz uma pesquisa e descobri que os patos ficam no mesmo sítio. Se o lago congelasse por completo teriam de ir para o sul, mas geralmente há uma brecha que lhes permite mergulhar e alimentarem-se das plantas subaquáticas — e isso basta. Sul Salinger sabia a resposta, antes até de Holden pensar nos patos. Essa é uma das qualidades de "À espera no centeio": Salinger e Holden sabem coisas diferentes, logo a profundidade de campo aumenta. Holden é o narrador; Salinger trabalha nos interstícios, em contramão. Jean Renoir dizia: "Por que raio é que, numa cena de amor em que o actor diz à actriz je t'aime a música também há-de dizer je t'aime ? Porque é que a música não diz estou-me nas tintas para ti?" Ora, S

Os nomes

SCHWARZ     Mas quem? SCHÖN     Mas quem? - A tua mulher. SCHWARZ     A Eva? SCHÖN     Mignon foi o nome que lhe dei. SCHWARZ     Pensei que se chamasse Nelli. SCHÖN     Esse era o nome que o Dr. Goll lhe dava. SCHWARZ     Eu chamava-lhe Eva... SCHÖN     O verdadeiro nome dela, não sei. SCHWARZ (distraído)     Talvez ela saiba. Frank Wedekind, Lulu - Espírito da Terra . Tradução de Aires Graça. O cão tinha um nome por que o chamávamos e por que respondia, mas qual seria o seu nome só o cão obscuramente sabia. (...) Manuel António Pina, O nome do cão.

Sexta-feira, 13

Está tudo a acontecer

António da Silva Oliveira pertence à última geração de autores-editores-criadores cujo trabalho pode ser relacionado com a vida e o ambiente dos cafés do Porto. Após os anos dourados da segunda metade do século XIX e primeira do século XX, as décadas de 70, 80 e 90 são as últimas em que os cafés funcionam como palco principal onde se montam projectos, cruzam ideias, juntam recursos e combinam edições. É ainda nos cafés que se escreve, trocam manuscritos, vendem fanzines e revistas. A esta geração coube o difícil papel de fazer a passagem entre os cafés e as redes sociais (incluo aqui os blogues). Os dois mundos conviveram durante pouco tempo. A passagem foi rápida e, para muitos criadores, impossível de acompanhar. A lógica de trabalho da rua, das gráficas e do papel, não é traduzível online. Os próprios códigos e o tipo de linguagem (especialmente literária) não funcionam, em grande medida, na internet. Por isso, o esforço de adaptação daqueles que cresceram nos cafés nem sempre tem

Sábado, 7 de Janeiro, na Sede

Ainda agora começou e já foi há tanto tempo

Em meados dos anos 80, o Porto era uma cidade cercada. Não pelo exterior, mas a partir de dentro. A sensação era a de que se vivia afastado de tudo o que de importante estava a acontecer no mundo. O que chegava de fora não era suficiente para aplacar a nossa fome. A rádio, a televisão e os jornais, que para os padrões de hoje pareceriam radicalmente alternativos, representavam o tipo de cultura e informação que era necessário rejeitar. Dentro de muros, a resistência, como sempre, fazia o seu obscuro caminho. Fanzines, plaquetes e boletins, circulavam de mão em mão, nos cafés, nas lojas de discos, nas associações de estudantes e colectividades, numa espécie de samizdat legal. Desenhadas à mão, escritas à máquina, reproduzidas em lojas de fotocópias, em formato A4 ou A5, com mais ou menos páginas, quase sempre a preto-e-branco, as publicações alternativas da época seguiam a estética mais simples do DIY. Edições sobre música, cinema, literatura, filosofia, política e outros temas impos