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Mensagens

The villain is more central than the hero

Significantly, the villain, Haghi (Rudolf Klein-Rogge) — is more central and prominent than the hero (Willy Fritsch), who’s identified in the credits only as “No. 326”. It is Haghi, after all, who is the first and last character of any importance that we see in the film. Architecturally, he’s the principal support of Lang’s house of fiction, holding up the entire structure, because every narrative path leads either up to him or away from him (...). In this respect, he clearly functions as Lang’s surrogate — an all-knowing puppetmaster who not only creates and animates the plot but also ultimately terminates it when he finds himself cornered in the final sequence. Disguised as an onstage clown, he shoots himself in the head as part of his act, soliciting a round of applause from the onscreen audience and thereby ending the film itself as the curtain falls. (The fact that Klein-Rogge was the first husband of Lang’s wife and co-writer Thea von Harbou only enhances his role as Lang’s doppe

Um pobre ignorante a tentar não se enganar

Nunca ninguém escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu, inventou, senão para sair realmente do inferno.  E para sair do inferno prefiro as naturezas deste convulsionário tranquilo às infestadas composições de Brueghel o Velho ou de Hieronymus Bosch que, em comparação, não passam de artistas, enquanto Van Gogh é só um pobre ignorante a tentar não se enganar. Antonin Artaud, Van Gogh, O suicidado da sociedade. Incluído em  Para acabar de vez com o juízo de Deus e outros textos finais (1946-1948). Tradução de Pedro Eiras. 

Dois bois

Foi o título que me chamou a atenção, nem sabia que era um texto sobre livros, podia ser qualquer coisa. Até fiquei com vontade de ler o romance de Yu Hua, mas a minha inquietação continua a ser: então uma pessoa é dois bois?
Gosto de ver a minha sombra projectada no chão. É longa e esguia e a cabeça parece mesmo a cabeça de um fósforo. A qualquer momento pode explodir. Bastava estar dentro de um filme do Cronenberg.

Foge-nos a terra sob os pés

Por que razão há momentos tão perturbantes em Nana , de Valérie Massadian? Por que motivo, em certos planos, sentimos medo daquela menina de quatro anos? Respondo por mim: porque Nana tem uma imaginação assombrosa. Se esse tipo de imaginação é uma manifestação natural na infância, é um dado mais ou menos irrelevante. A imaginação que não compreendemos ou controlamos é sempre uma ameaça. A imaginação «ingénua» (aspas vigorosas aqui) de uma criança como Nana ou a de um «louco» (aspas ainda mais vigorosas) provocam medo. A imaginação de um grande artista é um sobressalto permanente. A nossa própria imaginação pode lançar-nos no pânico. E a sequência que Valérie Massadian nos propõe, quase no final do filme, como uma possível «explicação» para os acontecimentos, não ajuda a esclarecer, apenas aumenta a nossa perturbação. Porque a dúvida persiste, agora e sempre: o que é real e o que é fantasia? Sem a ilusão de que existe uma fronteira clara entre os dois mundos, a terra foge-nos debai

Musgo

Visto de perto, de muito perto, o musgo fresco assemelha-se a um bosque cerrado, com árvores de diferentes formas e tamanhos. * Que criaturas habitam o interior desses minúsculos bosques? Que pássaros, raposas, coelhos, lobos? Que mulheres e homens? * Que histórias atravessam os caminhos, que contos se escutam nas clareiras? Quem são os Irmãos Grimm dos bosques de musgo? * A certa altura, no filme de Valérie Massadian , o avô explica à neta, a pequena Nana, que o musgo serve para limpar e eliminar os maus cheiros das mãos. * Os dois esfregam então as mãos com musgo fresco. O avô limpa-as a um simples tufo de musgo, como sempre fez. A criança enche as mãos com todos aqueles minúsculos bosques e mistura-os com as histórias e criaturas da sua tremenda imaginação.

Bouvard e Pécuchet de pernas para o ar

Les Valseuses , Bertrand Blier, 1974.

Resumo para terminar

- Qual a mentalidade mais forte de seu país [Brasil]? - Paulo Prado. - Qual a corrente aí vitoriosa nas artes e nas letras? - A minha. - Os melhores talentos... - Os meus amigos. - Os homens horríveis do seu país? - Os meus inimigos, com o Sr. Coelho Neto à frente. - O pior crítico do mundo? - Chama-se Osório Duque Estrada. Felizmente ninguém o conhece. - Vem V. a Lisboa fazer uma conferência? - Irei fazer uma conferência ou duas. - Sobre? - A bancarrota intelectual no Brasil. Oswald de Andrade em carta dirigida a António Ferro, 1924. Citada em O modernismo Brasileiro e o Modernismo Português, de Arnaldo Saraiva.

Mnémosyne

Algures, muito perto ou muito longe, dentro ou fora do mundo, há um lugar misterioso onde estão reunidas todas as nossas memórias. Aquelas de que nos lembramos, com mais ou menos imaginação, e as que nem desconfiamos que um dia foram nossas. Esse lugar está longe de ser um arquivo morto. As memórias estão vivas, têm a sua própria forma e existência. Têm a sua própria voz . Tocam-se, movem-se, relacionam-se, agridem-se, amam-se, talvez sonhem, talvez se reproduzam. As memórias criam as suas próprias histórias. Talvez obras-primas secretas que estão para além das obras-primas que conhecemos. Como os textos invisíveis que provavelmente se escondem nos espaços em branco dos livros e que superam em beleza as linhas impressas a tinta. As memórias não dependem de nós para construir a sua própria vida em sociedade. Às vezes, quando sonhamos, abre-se uma porta para esse estranho mundo e vemos as memórias diante de nós sem que tenhamos plena consciência de que as estamos a ver. Também aconte

Depois, passa a ser como se não existisse

- Mas eu gosto de ser vagabundo - murmurou o rapaz. - Ora! Ora! Isso é porque não tens mulher, é o que é! Vais ver que daqui para o futuro já não te agradará essa vida. Ela vai prender-te, não tenhas medo. Agarra-te bem a ela, meu filho, agarra-te bem! Estás a ver como ela é? Aquilo é uma fortaleza! Uma autêntica montanha! - Não me agrada nada que ela seja assim tão forte! - exclamou Kajica em voz alta. - Não te agrada? Mas porquê? Anda! Diz lá porquê? - perguntou o velho, arregalando os olhos. - Assim... não me agrada - gaguejou Kajica. - Tenho medo... - Não tens de ter medo, meu filho - enterneceu-se o velho. - O que importa é aguentares-te a primeira noite, como um valente. Depois, de nada lhe servirá sequer o facto de ser assim tão grande e tão forte. Podes ter a certeza disso. Passa a ser como se não existisse. Torna-se pequena e impotente como uma rã virada de costas. - Eu cá tenho sempre medo dela - respondeu Kajica, sincero, com a voz a tremer. - Mas porque é que hás-de

A vida é e não é decepcionante

Não se passa quase nada em “O dia seguinte” de Hong Sang Soo. Em termos de respiração é o equivalente a alguém que adormeceu a contar carneiros e sonha ainda com os carneiros passando um a um sobre um prado acinzentado. Não há perturbações de cores nem tramas complicadas, a própria câmara coloca-se num bom sítio e aí fica, curiosa mas bastante quieta — um pouco como um observador casual numa esplanada. O esquema tem qualquer coisa de teatral e mal escrevo isto penso também em Ingmar Bergman perito em palcos e crises conjugais — neste filme, porém, tudo é diferente. Por um lado, o tempo ( não é uma coisa real ). À ironia do título (o dia a seguir a quê?), Hong Sang Soo junta uma montagem à margem da linearidade e intenções das personagens. Graças a esta estratégia e também a uma redução dos espaços de filmagens, a vida de Bongwan surge muito condensada, como num laboratório. Quanto à história. Há um homem e três mulheres: a mulher com quem é casado, a amante que trabalhava com ele

A lei

No fim de 1774, o Grande Conselho [de Veneza] fez uma lei que proibiu todos os jogos de azar e cujo primeiro efeito foi mandar fechar o ridotto . Esta lei foi um verdadeiro fenómeno e, quando se retiraram os votos da urna, os senadores entreolharam-se de uma maneira que indicava a sua estupefacção. Tinham feito uma lei que não podiam ter feito, pois os três quartos dos votantes não a desejavam e, todavia, os três quartos dos votos foram favoráveis à lei. Dizia-se que era um milagre de São Marcos invocado por Monsignor Flangini, então corrector-mor, hoje cardeal, e pelos três inquisidores do Estado. Casanova, Uma aventura amorosa . Tradução de Maria do Carmo Pizarro.

Poetas da própria existência

(...) 8-11-82 (Para substituir o exemplar de há mais de 30 anos — talvez 1.ª ed. — de que agora dei pela falta.) Dedicatória na primeira página de Três poetas da própria existência , de Stefan Zweig, livro que encontrei, entre bibelôs de porcelana, sapatos de senhora e calças de ganga usadas, na Feira da Vandoma. A dedicatória, dirigida a si mesmo pelo antigo proprietário, está escrita numa letra delicada e perfeitamente legível. A única coisa que não consigo perceber é o nome. Tenho muitos livros comprados em feiras de usados e alfarrabistas, com toda a espécie de dedicatórias, frases sublinhadas e notas, escritas por leitores que nunca conheci e de quem nada sei. Leitores que, na sua maioria, já não fazem parte deste mundo, mas cujas marcas persistem nas minhas leituras e, por isso, na minha vida. Dir-se-ia uma outra literatura que avança em paralelo com a das páginas impressas. Em que lugares, em que circunstâncias, a que horas do dia e da noite todos estes leitores mergulha

Mundo interior

Como funciona o pensamento? Que som tem a nossa «voz interior»? Que cor têm as imagens que passam dentro da nossa cabeça? E passam a que velocidade? O pensamento é o nosso cinema interior. Terno e terrível, belo e assustador, apaixonado e assassino. Em todo o caso, um cinema que não pertence ao mundo, impossível de resistir fora da cabeça. O Livro de Imagem é o colossal combate de Godard contra essa impossibilidade. Durante uma hora e meia, o realizador procura mostrar a mecânica do seu pensamento. A tela transforma-se no espelho de tudo o que ocorre no interior da sua cabeça: palavras e imagens. Apenas isto. E isto , que em literatura não é novidade, é muito mais do que qualquer outra coisa que já tenha sido tentada em cinema.

O mistério da revelação

Buster Keaton carrega a câmara de filmar , de um plano para o outro, entre uma cena e outra, como se percorresse uma estranha via crucis . Mas se os cristãos acreditam na redenção pela cruz, Keaton acredita na salvação pelo cinema.