Não se passa quase nada em “O dia seguinte” de Hong Sang Soo. Em termos de respiração é o equivalente a alguém que adormeceu a contar carneiros e sonha ainda com os carneiros passando um a um sobre um prado acinzentado. Não há perturbações de cores nem tramas complicadas, a própria câmara coloca-se num bom sítio e aí fica, curiosa mas bastante quieta — um pouco como um observador casual numa esplanada. O esquema tem qualquer coisa de teatral e mal escrevo isto penso também em Ingmar Bergman perito em palcos e crises conjugais — neste filme, porém, tudo é diferente.
Por um lado, o tempo (não é uma coisa real). À ironia do título (o dia a seguir a quê?), Hong Sang Soo junta uma montagem à margem da linearidade e intenções das personagens. Graças a esta estratégia e também a uma redução dos espaços de filmagens, a vida de Bongwan surge muito condensada, como num laboratório.
Quanto à história.
Há um homem e três mulheres: a mulher com quem é casado, a amante que trabalhava com ele na editora e a empregada nova. Perante o cruzamento dos factos, o homem prefere não agir. As mulheres detestam esse comportamento; desesperam, gritam, choram — o seu desempenho tem a força e o exagero de uma chuva torrencial. Pondo a meteorologia de lado, elas revelam-se em quase-monólogos pois Bongwan é parco em palavras, deixa que as coisas sigam o seu curso até ao limite ou até mesmo um pouco para além. Os momentos com a mulher e a amante são tristes porque retratam os lugares mais comuns que existem: sentimentos trágicos, palavras gastas, gestos cómicos e muito álcool. A conversa com Areum é mais interessante — a rapariga desconhece o seu papel, logo consegue abrir uma brecha.
Chama-se Areum, a empregada nova que no seu primeiro dia é confundida pela mulher do patrão com a amante, e é a personagem mais luminosa e divergente do filme. Curiosamente ela define-se como pouco feminina e talvez o seja, não pela estatura e mãos esguias, mas porque não interpreta um cliché. Busca uma relação para as coisas e uma concordância (uma tradução justa para o seu nome?) Não por acaso, Hong Sang Soo oferece a Areum a sequência mais bonita do filme: a viagem de táxi à noite, a conversa com o taxista fora de campo (de quem é a voz?) e o espectáculo da neve a cair são uma declaração de amor mas atenção, devemos ler “declaração de amor” como palavras estrangeiras que não compreendemos lá muito bem.
No fim, numa cena que parece uma repetição, enquanto bebem café, Bongwan explica a Areum que abdicou da sua maneira de ser e escolheu ficar com a mulher e a filha. Entretanto ganhou um prémio.
A vida é e não é decepcionante.
Cristina Fernandes.
Por um lado, o tempo (não é uma coisa real). À ironia do título (o dia a seguir a quê?), Hong Sang Soo junta uma montagem à margem da linearidade e intenções das personagens. Graças a esta estratégia e também a uma redução dos espaços de filmagens, a vida de Bongwan surge muito condensada, como num laboratório.
Quanto à história.
Há um homem e três mulheres: a mulher com quem é casado, a amante que trabalhava com ele na editora e a empregada nova. Perante o cruzamento dos factos, o homem prefere não agir. As mulheres detestam esse comportamento; desesperam, gritam, choram — o seu desempenho tem a força e o exagero de uma chuva torrencial. Pondo a meteorologia de lado, elas revelam-se em quase-monólogos pois Bongwan é parco em palavras, deixa que as coisas sigam o seu curso até ao limite ou até mesmo um pouco para além. Os momentos com a mulher e a amante são tristes porque retratam os lugares mais comuns que existem: sentimentos trágicos, palavras gastas, gestos cómicos e muito álcool. A conversa com Areum é mais interessante — a rapariga desconhece o seu papel, logo consegue abrir uma brecha.
Chama-se Areum, a empregada nova que no seu primeiro dia é confundida pela mulher do patrão com a amante, e é a personagem mais luminosa e divergente do filme. Curiosamente ela define-se como pouco feminina e talvez o seja, não pela estatura e mãos esguias, mas porque não interpreta um cliché. Busca uma relação para as coisas e uma concordância (uma tradução justa para o seu nome?) Não por acaso, Hong Sang Soo oferece a Areum a sequência mais bonita do filme: a viagem de táxi à noite, a conversa com o taxista fora de campo (de quem é a voz?) e o espectáculo da neve a cair são uma declaração de amor mas atenção, devemos ler “declaração de amor” como palavras estrangeiras que não compreendemos lá muito bem.
No fim, numa cena que parece uma repetição, enquanto bebem café, Bongwan explica a Areum que abdicou da sua maneira de ser e escolheu ficar com a mulher e a filha. Entretanto ganhou um prémio.
A vida é e não é decepcionante.
Cristina Fernandes.
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