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Rússia no Porto

Vladimiro tem nome russo, mas o apelido (e o resto, meu deus!) destrói a promessa; percebe-se logo que é um falso russo (nem sequer um comissário do Ninotchka). Já o Tiago Barbosa Ribeiro — oh, basta escolher bem o enquadramento do rosto: parece que acabou de sair de um romance de Dostoiévski, quer dizer, parece que ainda lá está; um Karamazov temperamental. Não sei se é o meu candidato, mas é a minha personagem preferida. Dele, espero uma campanha febril, declarações estrondosas, ideias para encher a alma de desespero.

Primavera no Porto

Saio cedo, antes do trabalho, para ir à frutaria. Na rua, uma fila interminável de carros estende-se a perder de vista, ao longo de Antero de Quental. Dezenas de latas paradas, guinchando, roncando, zunindo, tossindo, bramindo, ensurdecendo, como uma fábrica infernal de nada. Aqui e ali, ergue-se um autocarro vazio, como um elefante morto e empalhado. E é tudo. Ah, o perfume primaveril da cidade pós-desconfinamento!

Esta casinha

Na Travessa de S. Brás, nas traseiras do cemitério da Lapa, há uma casa com um painel de azulejos à entrada, com a seguinte inscrição: Esta casinha que é nossa foi feita p’ra nós os dois. Amigos!... Também é vossa. Descansai; segui depois. Ninguém vive ali há anos. A casa está soterrada em musgo, ervas daninhas e humidade, quase em ruínas.

Hitchcock no Porto

A rua mais hitchcockiana da cidade é a Rua de António Cândido.

Truz-truz

Nomes de algumas lojas da Rua Serpa Pinto: Confeitaria Bom Sonho, Ourivesaria Joaninha, Ferro Mago, Truz Truz Pão Quente, Ernestu’s, Café Moranguinho, Bufete É-Na-Ora, Agência de Viagens Mar de Prata, Hortinha Frutaria, Clínica Fisiátrica Calvário do Carvalhido, Radical & Boémio Shop, Best Deals Outlet.

Fumo

Leio no jornal um texto sobre movimentos sociais no Porto que reivindicam o direito à habitação. A socióloga Inês Barbosa, que estuda o assunto, diz que são, quase sempre, fenómenos pontuais e efémeros. Na verdade, não devem ser considerados sequer «movimentos sociais» porque «não são consistentes e têm tendência a esfumarem-se com rapidez.» Tal como aparecem, por vezes até com algum impacto público, desaparecem no momento seguinte. É como se tudo à nossa volta seguisse hoje uma espécie de padrão facebookiano . Um protesto pelo direito à habitação tem o mesmo valor de uma publicação nas redes sociais: de manhã aparece no mural e gera «reacções», à tarde não.

Dickens

Nunca o Porto pareceu tão dickensiano como por estes dias. Não é só o nevoeiro, denso e frio, que transforma tudo em espectros. Não é só o ar sonâmbulo dos transeuntes a caminho do trabalho. É também a vaga sensação de ameaça que paira por toda a parte.

Quartzo, feldspato e mica

O mais curioso nos edifícios «recuperados» do Porto é o granito liberto da poeira e fumo acumulados ao longo de muitas décadas. Os grãos de mica reluzem como milhões de pequeníssimas partículas de ouro. Tudo brilha por toda a parte. Os tripeiros mais carrancudos semicerram os olhos, desviando-se da claridade que irradia das fachadas. Mas é apenas o velho granito limpo. Mais cedo ou mais tarde, a poeira voltará a assentar.

Secret Spots

Leio no jornal que uma empresa chamada «Porto Secret Spots», criada «por portuenses e para portuenses» (talvez por isso use o inglês no nome), acaba de juntar ao seu portefólio de produtos a possibilidade de visitas à Casa-Museu Fernando de Castro (Rua de Costa Cabral), em troca de 60 euros (para grupos até cinco pessoas) ou 70 euros (para grupos de seis a dez pessoas). O «Porto Secret Spots», que tem por objectivo «dar visibilidade a locais menos conhecidos no Grande Porto», «quer chamar a atenção para mais este segredo da cidade.» Para ajudar os turistas a descobrirem este «local secreto», a empresa «promete» desenvolver «um guião acessível a todos e não tão histórico.» Pretendem também que «todos os guiões dos futuros locais secretos sejam assim.»

Chuva

Uma semana inteira de chuva miudinha, pesada e muda. Os dias parecem não ter fim. As nuvens cobrem as casas como mãos enormes, lentas, ameaçadoras. A cidade parece mergulhada no fundo de um abismo, com a vida, a verdadeira vida, a correr muito acima.

Porto

Recomeçou a chover. As ruas esvaziaram-se de turistas. Desço a Lapa até à Baixa sem me cruzar com praticamente ninguém. De repente, a cidade retoma o tom cinzento, triste, belo. A cidade que, em dias de sol e de turismo, já só existe nas traseiras ou na nossa memória.

Um laburno

No pequeno jardim do Café Vitória, há um laburno. Uma árvore comum na Europa Central e nos Balcãs, mas relativamente rara em Portugal. É a árvore mais bonita da cidade. Está, neste momento, em plena floração. O jardim está coberto de milhares de flores amarelas, pequenas e delicadas. Se lhes pegamos, desfazem-se entre os dedos. Leio no dicionário que a madeira é utilizada na confecção de instrumentos musicais em lugar do ébano. E que aquelas flores, pequenas e delicadas, contêm citisina e que, por isso, são extraordinariamente venenosas.