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Mensagens

Particular hate: Henry James, though Gorey claims to have read the oeuvre twice.

— Ele disse para lhe dizer — informou com fidelidade — que é uma porca repugnante e ascorosa!

Fiz uma pesquisa e descobri que o livro de Henry James (edição de março de 2017) não mereceu a atenção da crítica. Encontrei o artigo escrito por Mário Santos para o ípsilon ; uma entrevista a Francisco Vale, da Relógio d’Água, no programa “Ronda da Noite” da antena 2 ; e mais nada. (Isto já nem sequer é uma queixa, é apenas um dado para a estatística.) No meio da informação recolhida dei com a capa da versão brasileira (edição da Penguin/ Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Britto e capa de Raul Loureiro e Cláudia Warrak) e resolvi direccionar a pesquisa para o lado gráfico. As capas mais antigas de “O que Maisie Sabia” não têm imagens, apenas cor e fonte tipográfica e, às vezes, para dar graça, uns arabescos. Duas ou três mostram um retrato de Henry James — um homem muito sério e concentrado. A maior parte reproduz quadros de época com crianças cândidas, enquadramentos mais ou menos fechados mostrando meninas sozinhas, de pé, sentadas, encostadas a uma pared

Perícia com facas e parafusos

Percebe-se que a literatura era (completamente pretérito imperfeito) um ofício duro ao ler “O que Maisie sabia”. Henry James maneja as palavras como um cozinheiro japonês maneja facas. É preciso ajustar a nossa respiração ao ritmo da frase: longa, sinuosa, enigmática. Claro que só é possível compreender isso porque o tradutor (Daniel Jonas) também sabe lidar com facas. O livro é um romance (de formação, apetece acrescentar), mas também o testemunho de uma prática que caiu em desuso.

Como um plano de Sans Soleil

Barros Lima é uma rua tramada, obriga sempre a subir quer se comece numa ponta ou noutra.  Está situada num sítio pobre já perto da estação de campanhã e é bastante feia. Quando entronca na avenida Fernão Magalhães, ainda é pior. Há uns tempos tentaram dar um jeito ao cotovelo: fizeram uns muretes de pedra e plantaram seis cerejeiras de flor rosa dobrada atrás dos contentores do lixo. Não melhorou muito. Mas hoje de manhã reparei que as flores estão a rebentar e numa das varandas, uma mulher oriental fazia exercícios de alongamentos de braços.

A violência e o escárnio

Um puma prepara-se para atacar uma doninha fedorenta. Parece fácil, o felino aproxima-se da presa cheio de langores e cálculos; a doninha protege-se com uma dança frenética e um cheiro nauseabundo. Contra todas as expectativas, as armas psicadélicas da doninha resultam e o puma desiste. Vi isto num documentário sobre animais, mas faz lembrar as histórias de Albert Cossery — uma outra forma de encarar o inimigo.

O resto já devem conhecer do cinema

Uma rapariga fenícia diz: «DIZ!» Outra rapariga diz: «Eu disse diz » A guardiã diz: «Eu disse que tenho estado à espera.» Antígona diz: «Eu disse tenho razão ou não tenho?» Polinices diz: «EU TENHO o controlo.» Jocasta diz: «Eu disse deixem-me falar!» Etéocles diz: «Eu disse mamã - anda - vamos embora.» Tirésias diz: «Eu disse fala comigo. Não estou aqui para brincar.» Creonte diz: «Eu disse para largares a mão do teu pai.» O que leva os personagens de Martin Crimp a repetirem uma e outra vez as palavras «eu disse» ou «diz», forçando por vezes o imperativo com maiúsculas? É uma simples manifestação de força e autoridade? São os clássicos a lembrarem-nos o poder que lhes foi conferido pelos deuses? Que lhes devemos respeito? Ou será outra coisa? Uma espécie de pedido desesperado de atenção? Uma necessidade urgente de provarem a si mesmos, e a nós espectadores, que existem, que estão vivos e fazem parte do nosso mundo? Que não são apenas o sonho de um dramaturgo? Ou será antes, muito
— E aquela história do Fernando Namora, O Caso do Sonâmbulo Chupista ?  Eu apenas fiz a divulgação da vigarice do Namora… Eu estou em Agosto na cervejaria Trindade com o Serafim Ferreira e com o Herberto Helder, que se está a queixar que aquela gaja, a Maria Estela Guedes, tinha feito um livro com textos que tinha roubado, e de repente o Serafim diz: “opá, isso plágios é o que para aí há mais, eu tenho lá em casa a edição especial da Aparição que me deu o Vergílio Ferreira com coisas anotadas que o Namora lhe roubou...” E eu estou a ouvir aquilo e estou calado. No dia seguinte telefono para a Amadora, onde mora o Serafim, e pergunto: “ouve lá, aquela tua conversa de ontem, aquilo era blague de café ou era a sério?” “Não, tenho cá o exemplar da Aparição . Combinámos então o terrível crime nas escadinhas do duque, em que ao cimo das escadinhas eu digo: “ouve lá, tu vais fazer um panfleto e eu edito-te e vamos ganhar um bocado de massa os dois, estamos em Agosto, agora não se vende nad

Luiz Pacheco — variante pedagogo e editor

Para desanuviar de tantos romances e falsos poemas atabalhoados, deitei a mão ao  Crocodilo que Voa.  Nem sabia se teria coragem para ler as doze entrevistas de seguida; achei que ia despachar a introdução, passar os olhos pelo resto e devolver. Mas não, vai tudo de enfiada, com elevada concentração e prazer. O texto do João Pedro George é certeiro, apresenta uma perspectiva sobre a obra e a vida de Luiz Pacheco lúcida e sem maneirismos (fiquei com vontade de ler  Extravagante, excéntrico, raro , de Carlos Castillo del Pino, aliás todo o livro  La extravagancia ). Conhecia João Pedro George do blogue esplanar e, mais recentemente, dos primeiros parágrafos das crónicas na revista Sábado; sempre lhe apreciei a frase firme e o pensamento solto, agora tenho de estar atenta à chegada da biografia à biblioteca (“Puta que os pariu!”, também da Tinta da China). Em relação às entrevistas, Luiz Pacheco explica muito bem o que se passa: “... eu tenho um balanço, um pé muito bem calçado de ent

Leituras em lugares públicos (de acesso restrito)

A/C Alexandre : Na reportagem sobre o Estabelecimento Prisional de Tires, transmitida pela RTP1 na quinta-feira à noite, vi Rosa Grilo empunhar “O Processo” (nº 91 da Colecção Mil Folhas, do jornal Público) frente à câmara da televisão. Pensei que ela procurava na literatura respostas para o seu problema, pensei que a seguir ir atacar “O Crime e Castigo” (nº 55 da mesma colecção). Pensei no último plano do carteirista. Mas pensei tudo errado. Rosa Grilo explicou que o livro de Franz Kafka foi uma sugestão de um inspector que a interrogou. Neste caso, o louvor e admiração vão direitinhos para a Polícia Judiciária.
Quando estamos a ver o filme já nos apercebemos disso, não passa ainda de uma coisa fraca, como se os nossos olhos fossem os de Agnès Varda captando imagens desfocadas e com significados indefinidos. Na verdade, a alegria que Varda e JR levam aos "lugares" por onde passam e aos rostos das pessoas está ligado a uma tristeza que é própria da fotografia e da morte (a palavra mais adequada é "nostalgia" trazendo consigo o rasto de viagem e dor, a falta de algo), uma tristeza que se vai prolongar mais no tempo, fora da sala de cinema. "Olhares lugares" é ao mesmo tempo essa viagem literalmente a bordo de uma carrinha mascarada de máquina fotográfica e a tentativa de encontrar qualquer coisa que falta num lugar e vencer essa falha: os mineiros que já morreram, as mulheres dos estivadores de corpo inteiro nos contendores empilhados, uma cabra com cornos porque é da natureza das cabras terem cornos, a rapariga com a sombrinha, os peixes numa cisterna, os pés de

Deixem-nos lá

Os do Orfeu são apenas simuladores. É evidente que quem quizer ser estravagante tem de se assemelhar aos loucos. O terreno comum onde se encontram é o disparate. Em França, com os romanticos, sucedeu um pouco o mesmo. Para escandalizarem a susceptibilidade burgueza, passaram a andar vestidos de côres berrantes, de maneira diferente de todos. Baudelaire um dia (...) teve a excentricidade de pintar os cabelos de verde. Os amigos, que já estavam prevenidos, não fizeram caso. Baudelaire, que queria causar impressão, ficou fulo por não lhe ligarem importancia. E tratou logo de rapar o cabelo á escovinha (...). É evidente que estas creaturas não são absolutamente equilibradas. Mas também não é justo chamar-lhes doidos. Deixem-nos lá. Júlio de Matos, jornal A Lucta , 11 de Abril de 1915. Citado por Jerónimo Pizarro em Fernando Pessoa: entre génio e loucura , p. 209.

A influência de Jacques Tati nos tempos de espera

Esperei 10 minutos pela abertura da loja Andante, calhou-me a senha 26. Fui fumar um cigarro junto à passagem para 5 outubro com vistas para as traseiras da antiga estação de comboios: um descampado cheio de ervas e plumas (para onde terão ido os ciganos despejados?) — isto também é a Boavista.

A influência de Philip Larkin nos tempos de espera

Depois da observação geográfica desci as escadas e, enquanto esperava pela minha vez (mais 40 minutos) reparei num homem de meia-idade, nem magro nem gordo, um pouco mais baixo do que eu, vestido de escuro (calças cinzentas, corte recto; camisa cinzenta fechada até cima; casaco azul acinzentado com cotoveleiras de camurça e dois botões claros abotoados), com óculos de massa rectangulares e um saco de papel nas mãos. Um homem de ofício burocrático ou então um poeta muito parecido com Larkin. Decidi que era as duas coisas. A partir daí pareceu-me mais interessante e misterioso — até o saco de papel ganhou outra importância. O que guardava lá dentro? Um livro com capa indecente? Uma máquina fotográfica? Um coelho branco? Um pão com marmelada?

O gato de Josef Nadj

Se passarem pela Rua do Almada, a caminho dos Aliados, e olharem para uma certa janela de um prédio em reconstrução, já depois do cruzamento com Ricardo Jorge, darão de caras com o gato de Josef Nadj.  Terá o dono perdido o gato ou terá sido o gato que abandonou o dono?

Coisas espirituosas

Agradeço as ligações que fizeram aos textos sobre a Cristina Bartleby, o efeito foi tremendo (segundo as estatísticas da blogger, o facebook é mesmo a China das redes sociais). Para além da questão ética, chateia-me muito: o modo como a CB ajavarda tudo em que toca, a lata de chamar àquilo poesia (já basta a luta contra a linguagem poética , florzinhas, pôr do sol e outras fancarias), a cegueira de quem publica à toa. Feita a denúncia pública, agora é deixar o fenómeno definhar naturalmente. O que falhou nesta operação? Se tivéssemos colocado uns anúncios da google neste Bicho Ruim, podíamos estar (eu e o Rui) numa esplanada, de óculos escuros, a esbanjar o dinheiro arrecadado (não em ponchas mas, sem dúvida) em coisas espirituosas enquanto esperamos o raio verde.

Gosto deste ambiente de lojas de colchões, garagens.

“Há um momento em que Manuel Graça Dias é imbatível, no sentido em que ele comunica, fala, escreve e desenha de um modo que é diferente”, afirma Jorge Figueira, tese que defende no seu livro A Periferia Perfeita, pós-Modernidade na Arquitectura Portuguesa (1960-1980). Nesse momento, na passagem dos anos 80 para os anos 90, “quando está a fazer as primeiras obras, quando escreve em O Independente, quando faz o Pavilhão de Sevilha, ele é o arquitecto mais alegre, mais radioso, mais interveniente, mais arguto ”.  Mostra a uma geração de jovens estudantes e de arquitectos recém-formados que há uma forma diferente de ser arquitecto e de fazer arquitectura portuguesa. “ Coloca o quotidiano na arquitectura, o pequeno episódio, as incongruências, aquilo que não é necessariamente bonito e aceite pelo bom gosto. Ele coloca tudo isso como matéria da arquitectura, passível de ser lido e abraçado pelos arquitectos” , continua Jorge Figueira. Texto de Isabel Salema, fotografia de Nuno Ferr

O caso fraudulento da Cristina Bartleby (parte 2)

No seu currículo decalcado, CB refere a edição de um livro anterior — de autor, diz ela. Chama-se "Pequenos Naufrágios", pode ser visto na íntegra aqui  e, assinale-se a lata, tem direitos de autor reservados ©. Seria muito fastidioso apontar a origem de todos os textos (há versos de Teixeira de Pascoaes, Primo Levi, Ruy Cinatti, Carl Sandburg, Cesariny, Vasco Graça Moura, Leonard Cohen, José Afonso, inúmeros poemas traduzidos por Luís Filipe Parrado no blogue Do trapézio, sem rede , outros publicados por Rui Almeida no Poesia distribuída na rua ) por isso apresento apenas cinco exemplos já com os links para a origem, linha a linha. Escolhi estes mas poderia ser qualquer um dos 14 textos, todos seguem este método: 1. As falsas promessas, os amigos fingidos e o gerente oferece-lhe um jogo de frigideiras pelo seu aniversário Era um desses dias em que tudo corre bem Não serás a última,  velha rameira da noite No entanto também a morte poderia também ser assim (ao