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Quando estamos a ver o filme já nos apercebemos disso, não passa ainda de uma coisa fraca, como se os nossos olhos fossem os de Agnès Varda captando imagens desfocadas e com significados indefinidos. Na verdade, a alegria que Varda e JR levam aos "lugares" por onde passam e aos rostos das pessoas está ligado a uma tristeza que é própria da fotografia e da morte (a palavra mais adequada é "nostalgia" trazendo consigo o rasto de viagem e dor, a falta de algo), uma tristeza que se vai prolongar mais no tempo, fora da sala de cinema. "Olhares lugares" é ao mesmo tempo essa viagem literalmente a bordo de uma carrinha mascarada de máquina fotográfica e a tentativa de encontrar qualquer coisa que falta num lugar e vencer essa falha: os mineiros que já morreram, as mulheres dos estivadores de corpo inteiro nos contendores empilhados, uma cabra com cornos porque é da natureza das cabras terem cornos, a rapariga com a sombrinha, os peixes numa cisterna, os pés de Varda num vagão. Agnès Varda e JR guardam imagens do que já desapareceu ou está prestes a desaparecer. É uma afirmação de existência, de memória e de alegria mas uma alegria precária como a imagem de Guy Bourdin balouçando na praia que o mar leva durante a noite. Há também uma reconstituição fragmentada da obra de Varda, o rosto de Cleo (o prenúncio da morte, mais uma vez), os girassóis de "Le bonheur" que nos lembram uma felicidade amoral, as praias, as batatas em forma de coração mas que são apenas batatas, o fantasma de Godard. O cheque mate à morte é um bluff, mas a única acção sensata.

(Apontamentos sobre “Olhares lugares”, escritos em março de 2018.)

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