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— Ele disse para lhe dizer — informou com fidelidade — que é uma porca repugnante e ascorosa!

Fiz uma pesquisa e descobri que o livro de Henry James (edição de março de 2017) não mereceu a atenção da crítica. Encontrei o artigo escrito por Mário Santos para o ípsilon; uma entrevista a Francisco Vale, da Relógio d’Água, no programa “Ronda da Noite” da antena 2; e mais nada. (Isto já nem sequer é uma queixa, é apenas um dado para a estatística.)

No meio da informação recolhida dei com a capa da versão brasileira (edição da Penguin/ Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Britto e capa de Raul Loureiro e Cláudia Warrak) e resolvi direccionar a pesquisa para o lado gráfico.

As capas mais antigas de “O que Maisie Sabia” não têm imagens, apenas cor e fonte tipográfica e, às vezes, para dar graça, uns arabescos. Duas ou três mostram um retrato de Henry James — um homem muito sério e concentrado. A maior parte reproduz quadros de época com crianças cândidas, enquadramentos mais ou menos fechados mostrando meninas sozinhas, de pé, sentadas, encostadas a uma parede, encostada a uma mulher com um livro nas mãos, com um cão. Uma versão desenhada por Edward Gorey revela Maisie sentada no canto inferior direito enquanto os pais discutem à esquerda sobre um fundo de painéis de madeira e cortinados volumosos em forma de peruca — apesar do tema bem talhado, não é um dos seus melhores trabalhos. Também há capas desinteressantes que remetem para uma adaptação, recente, da história ao cinema (mas como é que um realizador traduz a mestria de James? Não traduz, aposto, ignora e aproveita-se do enredo e das personagens.)

A minha preferida é a capa mais ambígua, até mesmo insinuante, feita por Raul Loureiro e Cláudia Warrak com o retrato de “Sara” pintado por Elizabeth Peyton. Há qualquer coisa naquela miúda que quer ir mais longe, que vai mais longe; talvez seja o efeito das cores contrastantes, a mão no rosto, os olhos subtilmente franzidos, uma certa indefinição da idade. Faz lembrar as raparigas sabidolas de Balthus e bate certo com a Maisie em acelerado processo de aprendizagem descrita por Henry James que, desde o princípio, sabe tanto. Vale a pena acrescentar que esta imagem, deixando para trás os quadros da época, é uma boa piscadela de olho à modernidade da escrita de James.

Nota: “Pelos olhos de Maisie” é uma péssima tradução. Não consigo, por mais que tente, perceber a intenção. Bastava ser literal que é, quando possível, a melhor das opções. E ainda: desloca o peso do conhecimento para o que se vê — ora, isso é uma sacanice; Henry James tinha ideias muito precisas sobre pontos de vista, se quisesse destacar os olhos de Maisie, assim o teria feito.

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