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A mostrar mensagens com a etiqueta Paulino Viota

Três em linha

O elemento que faltava

Alberto Pagán: As representações em Contactos são muito recitativas, frias e anti-psicológicas. Isso deveu-se a limitações das filmagens ou foi uma estética brechtiana intencional?  Paulino Viota: Acho que faz parte do estilo. Num esquema de tempos mortos e rupturas, se tentássemos uma interpretação mais natural, mais directa, provavelmente teria ficado demasiado desajustada com o estilo da câmara. Pensei que era mais coerente assim, uma espécie de teatralização, num sentido de ascetismo, claro; não no sentido de multiplicar a expressão, mas precisamente ao contrário. É a ideia de conter a expressão, de não expressar. Acho que provavelmente já tínhamos visto algum filme de [Robert] Bresson [A TVE passou Pickpocket ( O carteirista , 1959) a 2-12-1967 e Les anges du péché ( Os anjos do pecado , 1943) a 23-03-1970] e tínhamos visto, de certeza, a Crónica de Anna Magdalena Bach [ Cronik der Anna Magdalena Bach,  1967] de [Jean-Marie] Straub [e Danièle Huillet; transmitida pela TVE a

Um filme perverso

(...) Contactos é outra coisa, é o que na altura se chamava cinema de vanguarda, uma verdadeira experiência. Podemos considerá-lo próximo desse movimento, pois é um artefacto de reflexão cinematográfica; reflexão sobre o espaço e o tempo em oposição ao que se fazia no cinema que conseguíamos ver. Quando filmámos  Contactos,  em 1970, o cinema tinha uns setenta anos e já desenvolvera técnicas prodigiosas para contar histórias e utilizar o espaço e o tempo em função dos interesses dessas histórias (os tempos devem ser abreviados, os espaços trabalhados de determinada maneira, prescinde-se de todos os momentos que não têm interesse…). Contactos foi feito contra tudo isso. Uns anos depois, li um texto de Eisenstein em que ele dizia que, embora o sistema fosse outro, A Greve ( Stachka , Sergei M. Eisenstein, 1925) tinha sido feito totalmente do contra. Então, de forma modesta, fizemos o mesmo em Contactos ; quer dizer, tudo o que não se podia fazer, tudo o que era proibido, nós fizemos (

Quosque Tandem…! (Modelo de leitura B)

Contactos. Maio de 1970. O título do filme é, por si só, uma estrutura polissémica. Tem a ver com o processo de impressão directa dos negativos fotográficos em que dois corpos em bruto se tocam, mas também pode ser alguém infiltrado dentro de um grupo político, a secção de classificados dos jornais, ou até uma composição de Karlheinz Stockhausen .  Contactos deve ser visto junto com Duración . Não só por serem os filmes mais radicais de Paulino Viota, mas também porque há uma ligação entre eles que torna a projecção conjunta mais arrojada, tipo 1+1=11. O tempo em Duración e o espaço em Contactos  (que, perante os nossos olhos contemplativos, se converte em tempo) são simultaneamente formas puras da intuição a partir das quais é possível começar a perceber o mundo que nos rodeia, mas também matéria cinematográfica que nos permite compreender (principalmente no sentido de abranger) o cinema. Kant e Marx em contraponto. Avante! Quando Paulino Viota diz que  Contactos foi feito contr

Ver e não ver (outros exemplos)

Vertigo é não só a história de um homem que se apaixona por uma quimera, mas também de um homem incapaz de ver a mulher real, próxima, calorosa, enamorada, abnegada, compreensiva, inteligente que tem à sua frente.  Paulino Viota, A herança do cinema.

Três em linha

Em 1772, Diderot escreveu Isto não é um conto 1 (com Madame de Carlière e Suplemento à viagem de Bougainville ,  forma um tríptico de contos morais — quase dois séculos antes de Rohmer). No segundo conto (ah, afinal são contos), Diderot narra a história de Gardeil e da Menina de la Chaux. Por amor a Gardeil, de la Chaux larga honra, fortuna e família. A vida deles não é fácil. De la Chaux aprende grego, hebraico, italiano e inglês para ajudar o amante nas traduções. Mas um dia, sem nenhuma justificação, Gardeil abandona-a. Diderot conclui o conto dizendo que é um pouco precipitado julgar alguém por um único traço de carácter, mas que há muita verdade nas generalidades.  Em 1974, Paulino adapta a história, mas troca o título. Por influência de Baltasar Gracián , o filme chama-se  Jaula de Todos . Em 2018, Pablo García Canga filma De l’amitié , baseado num fragmento de Isto não é um conto (1772) de Denis Diderot e Jaula de todos (1974) de Paulino Viota. 1. Há uma tradução de Pedro T

O peido de rã (outra vez)

Durante quatro anos (entre 1971 e a morte de Franco), Paulino Viota e o seu primo Javier Vega (trabalharam juntos em José Luís , Fim de um inverno , Contactos  e Com unhas e dentes ) tentaram fazer um filme explicitamente político inspirado nas peças didáticas de Bertolt Brecht, mas não conseguiram dinheiro. O argumento foi considerado primeiro demasiado vanguardista, depois demasiado didáctico. Conforme iam trabalhando o argumento e a abordagem cinematográfica, também mudavam os títulos: ...E o ouro dos seus corpos , Táctica , Os explorados falam de exploração , ou O mar não é surdo . Nota: mais um (entre outros) para a  lista de Henri Lefebvre.

Un hermano de Jean Renoir

Creio que foi no último jantar na cantina do Centro de Negócios do Fundão, em conversa com a Carlota e o Rodrigo, queixei-me um bocado do lado sorumbático do cinema e disse que precisávamos de mais tipos como Jean Renoir — com um olhar amplo e alegria luminosa.  Agora que comecei a ler La Família del Cine , dou-me conta que Paulino é um desses homens. Apesar de ter sido obrigado a desistir de filmar por falta de apoios, encontrou um desvio e exerce, desde os anos oitenta, a sua actividade cinematográfica no ensino e na crítica sem rancores e com uma inteligência imensa e bem humorada. Para além de contemporâneo de Griffith, Paulino Viota é um irmão de Jean Renoir.

A sua parte remelosa

Ela, Tina (a personagem), Guadalupe G. Güemes (a atriz), está a fechar a porta de um armário. Quando a porta fecha, não se ouve nada. A sequência é muda. Silenciosa. É um filme feito com recursos de amadores, na segunda metade dos anos sessenta. Para um realizador dessa época, o som era um problema. Dificuldade do som directo ou do som pós-sincronizado. Neste filme há vários tipos de som e é ao realizador que cabe escolher um deles. Não podem coexistir. Há momentos de diálogo, em que ouvimos vozes. Há momentos em que ouvimos som ambiente, por exemplo, sons da rua. Há momentos em que ouvimos música. E depois há momentos em que não ouvimos nada. Quando o namorado da Tina espera impacientemente por um amigo na rua, por exemplo. E esta sequência quotidiana da Tina e do namorado depois de, pressentimos, terem passado a noite juntos, a levantarem-se, a lavarem-se, a vestirem-se, enquanto a câmara os acompanha, livre e íntima. Pode-se pensar, claro, que se não há som é por falta de meios. Ma

Códigos & Fluxos

Os Encontros de Cinema do Fundão são muito acolhedores: permitem ver filmes raros, discutir ideias vagas, estabelecer diálogos inesperados, e por aí fora. Ouvir Paulino Viota , por exemplo, foi uma descoberta tão maravilhosa que vou tentar prolongar o efeito inebriante recorrendo a actividades paralelas.  Mas o que mais me impressionou não foi de ordem cinematográfica (lá estou eu a falhar o degrau outra vez): para além de compreender materialmente o que é o calor do verão no interior e o ritmo de uma terra pequena, depois de algumas investigações percebi que se vivesse no Fundão o mais certo era ter votado no candidato do PSD nas últimas autárquicas — um gesto que me é completamente alheio.  É como se a dupla do vidro da montra (loira, sofisticada, e talvez com um  tailleur  cinzento?) se afastasse de mim e virasse à direita.