Quando decidiu contar o que teria sido O Camião se tivesse sido filmado, Marguerite Duras foi furiosamante contra as convenções do cinema. Não só fez um filme suportado pelo texto como o construiu sobre um tempo verbal que é em simultâneo passado e futuro: o futuro hipotético das brincadeiras das crianças. Essa liberdade lúdica resgata o poder encantatório das histórias orais e apanha-nos em cheio. Na sala escura somos convocados a participar: vemos as imagens projectadas (Marguerite Duras e Gérard Depardieu sentados numa sala da casa de Neauphle-le-Château a ler o texto pela primeira vez com as folhas na mão, o camião a avançar pelas estradas, atravessando a paisagem e o inverno) e vemos outras imagens por trás dos nossos olhos — como se houvesse dois filmes a caminhar em paralelo para a perdição. Uma potência descomunal que trabalha misteriosamente dentro de nós.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral