Há salas de cinemas de subúrbio vazias como hangares e belas como cais de sonhos. São as que prefiro. Os grandes estabelecimentos das avenidas, com as suas poltronas de veludo vermelho e arquitetura de ópera cómica, onde a talha dourada se derrama sobre as cariátides melosas, são feios e antipáticos. Apesar da obscuridade dissimular esses horrores teatrais, os filmes mais belos perdem aí a selvajaria. Para que serve, então, o luxo desses salões, que só valem pelas trevas? Pelo contrário, as salas pobres, essas cuja pintura descasca um pouco e dissimulam a lepra sob os belos cartazes de filmes, possuem uma verdadeira atmosfera de emoção e aventuras. Lembro-me daquela sala em Levallois, já desaparecida, onde vi O Clube dos Valetes de Copas e Fantomas . Era tão grande e tão vazia que os gritos do público ecoavam como num vale. E lá ao fundo, uma orquestra esforçava-se em ruídos discordantes, como a orquestra de um navio a afundar-se, cujos músicos, por uma tradição que nunca...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral