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A leitura de um livro é, hoje, para muita gente, um acto anacrónico, anti-democrático, sem qualquer força de atracção para quem se habituou a tudo o que é interactivo.
Num livro recente, Pouvoirs de la lecture. De Platon au livre électronique, o filósofo e musicólogo francês Peter Szendy, professor numa universidade norte-americana, começa por se referir a esse imperativo da leitura e conta como se sentiu espantado por uma série de decisões judiciais que prescreviam a leitura como pena a cumprir pelo réu. A primeira história que ele conta, leu-a no Courrier international em Julho de 2009 e tinha como título Pior do que a prisão, a leitura. Tratava-se aí da condenação de um cidadão turco, condenado por um tribunal do seu país a quinze dias de prisão, uma pena comutada em obrigação de ler uma hora e meia por dia, sob vigilância policial, durante alguns meses.
Quando um jornal local perguntou ao indivíduo sentenciado como é que ele sentiu a sua entrada, pela primeira vez, na biblioteca, ele descreveu a pena como um castigo atroz: “No início era terrível. Tinha a impressão de que me torturavam e de que todos os habitantes da cidade me observavam e se riam de mim”. O jornalista quis saber que livros leu e se os leu verdadeiramente. Resposta: “Comecei por um livro sobre os escritores turcos. Li também a biografia de Atatürk. Eram livros volumosos. Levei um mês inteiro a lê-los. Na verdade, fazia de conta, a única coisa que fazia era virar as páginas. Mas quando me disseram que o juiz me interrogaria sobre o conteúdo, comecei a ler verdadeiramente. Não desejo isto a ninguém, nem mesmo ao pior inimigo.”
Perante este testemunho espantoso, Peter Szendy confessa que não tinha nenhum meio para verificar se o relato era verdadeiro, mas alguns anos depois leu duas outras histórias semelhantes que ilustravam também formas de penalização através do livros: uma no Guardian, que contava que um juiz do Estado de Virginia tinha condenado uns adolescentes, que vandalizaram túmulos inscrevendo neles a cruz gamada, a ler 35 livros, de autores como Hannah Arendt e Elie Wiesel; outra, no Corriere della Sera, que relatava um caso que envolvia prostituição e violência. Neste caso, o réu foi sentenciado a indemnizar a vítima através de um conjunto de livros escritos por mulheres.
A outra face dos imperativos da leitura é o da interdição de ler certos livros, a história da censura. Uma e outra desempenham papéis complementares e solidários neste imperativo categórico que Peter Szendi encontra logo em Platão. Quem hoje é induzido a reflectir sobre o livro e a leitura deverá saber que ninguém se pode eximir a uma política da leitura, por mais inócuo que nos pareça o acto de ler.
Num livro recente, Pouvoirs de la lecture. De Platon au livre électronique, o filósofo e musicólogo francês Peter Szendy, professor numa universidade norte-americana, começa por se referir a esse imperativo da leitura e conta como se sentiu espantado por uma série de decisões judiciais que prescreviam a leitura como pena a cumprir pelo réu. A primeira história que ele conta, leu-a no Courrier international em Julho de 2009 e tinha como título Pior do que a prisão, a leitura. Tratava-se aí da condenação de um cidadão turco, condenado por um tribunal do seu país a quinze dias de prisão, uma pena comutada em obrigação de ler uma hora e meia por dia, sob vigilância policial, durante alguns meses.
Quando um jornal local perguntou ao indivíduo sentenciado como é que ele sentiu a sua entrada, pela primeira vez, na biblioteca, ele descreveu a pena como um castigo atroz: “No início era terrível. Tinha a impressão de que me torturavam e de que todos os habitantes da cidade me observavam e se riam de mim”. O jornalista quis saber que livros leu e se os leu verdadeiramente. Resposta: “Comecei por um livro sobre os escritores turcos. Li também a biografia de Atatürk. Eram livros volumosos. Levei um mês inteiro a lê-los. Na verdade, fazia de conta, a única coisa que fazia era virar as páginas. Mas quando me disseram que o juiz me interrogaria sobre o conteúdo, comecei a ler verdadeiramente. Não desejo isto a ninguém, nem mesmo ao pior inimigo.”
Perante este testemunho espantoso, Peter Szendy confessa que não tinha nenhum meio para verificar se o relato era verdadeiro, mas alguns anos depois leu duas outras histórias semelhantes que ilustravam também formas de penalização através do livros: uma no Guardian, que contava que um juiz do Estado de Virginia tinha condenado uns adolescentes, que vandalizaram túmulos inscrevendo neles a cruz gamada, a ler 35 livros, de autores como Hannah Arendt e Elie Wiesel; outra, no Corriere della Sera, que relatava um caso que envolvia prostituição e violência. Neste caso, o réu foi sentenciado a indemnizar a vítima através de um conjunto de livros escritos por mulheres.
A outra face dos imperativos da leitura é o da interdição de ler certos livros, a história da censura. Uma e outra desempenham papéis complementares e solidários neste imperativo categórico que Peter Szendi encontra logo em Platão. Quem hoje é induzido a reflectir sobre o livro e a leitura deverá saber que ninguém se pode eximir a uma política da leitura, por mais inócuo que nos pareça o acto de ler.
Comentários
E se um “novo” Raskólnikov tivesse de responder perante um juiz sobre a diferença entre o Pai Nosso de Lucas e o Pai Nosso de Mateus, e se descobrisse que ler a Bíblia, como pena, até não era assim tão mau, e que lhe faltavam *sete anos, “apenas” sete anos!”, talvez mentisse, talvez fizesse de contas que era péssimo ler sobre Lázaro, talvez andasse em segredo a informar-se quando saía o próximo livro, o próximo tomo, a próxima tradução.