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Il est mort le soleil



Todos me dizem que No Quarto de Vanda é muito duro. Como se essa constatação fosse uma muralha. Percebo que as circunstâncias (a droga, a pobreza, a destruição do bairro) são extremas, mas o filme tem também uma doçura — ora triste, ora cómica — que se infiltra e altera o ritmo. Talvez não se dê por ela da primeira vez, talvez seja necessário dar tempo ao tempo.

A minha relação com o filme, confesso, é um bocado esquisita, quer dizer, não o respeito como um objecto íntegro (o que vai muito contra as minhas regras). Às vezes vejo apenas uma cena, ouço uma conversa (os iogurtes de morango, o mês de maio com Bach em fundo,...) alguns sons (pássaros, a televisão ao longe, marteladas, tijolos e vidros a cair,...), como se fosse um filme de fragmentos arqueológicos. Mas o enquadramento constante, o que prevalece, é o apogeu e fim da adolescência, esses anos grandiosos em que temos um território que nos pertence por completo: o quarto é o nosso domínio, onde fazemos e dizemos o que queremos e estamo-nos nas tintas para o resto do mundo. Podem ser apenas uns poucos metros quadrados, nunca mais voltaremos a encontrar uma imensidão assim. No Quarto de Vanda guarda essa memória.

Gostava de ver No Quarto de Vanda projectado em simultâneo e contínuo com Sans Soleil. Em salas gémeas. Podíamos passar de uma para outra ou até sair um pouco para tomar um café, fumar um cigarro, voltar a entrar. Ir ao cinema passava a ser um acto de intervenção, mais ligado à vida do que à cinefilia.

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