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Os olhos não querem estar sempre fechados

Um dos obstáculos ao trabalho de Huillet e Straub é o próprio cinema, isto é, a forma como ele se optimizou para ser uma actividade extremamente lucrativa que começa e acaba em classificações: a produção define o tipo de história (policial, comédia romântica, musical, etc. etc.), arranjam-se verbas enormes de financiamento, formam-se equipas (talvez fosse mais certo dizer esquadrões?), o filme entra no ciclo rápido de execução e, no fim da linha de montagem, os críticos classificam-no com estrelas. Trata-se de toda uma constelação fictícia, tão alheada do que se passa em redor que é raro encontrarmos nesses produtos audiovisuais a mais pequena centelha de vida — se cheiram a alguma coisa é a dinheiro.

Mas é esse cinema que as pessoas reconhecem e esperam encontrar nas salas e na televisão, nos computadores e nos telemóveis. É uma corrente de imagens com uma força incrível que varre tudo e que já passou para as séries e para a publicidade e para a comunicação unipessoal das redes sociais e daí para a vida quotidiana — nos gestos sem chama e nas entoações postiças.

Esta maneira de ver embota os olhos (e também o espírito, diga-se) e as pessoas perdem a capacidade para ver o que não se submete a essa formatação destruidora. E quando digo ver é isso mesmo que quero dizer, como refere o dicionário: exercer o sentido da vista sobre, é antes de compreender ou não compreender, gostar ou não gostar — é apenas como olhar para o mar.

A contrapelo, Danièle Huillet e Jean-Marie Straub trabalham como se o cinema tivesse sido acabado de inventar, como se os irmãos Lumière tivessem filmado os trabalhadores a sair da fábrica ontem. Como se o cinema fosse uma cena de bruxaria que nos permite ver melhor (e guardar) o que existe, ver mais fundo, ver todas as implicações.

— Se conseguirmos ver, talvez um dia seja possível fazer qualquer coisa inédita. É isso que os filmes deles nos mostram, que há uma hipótese. Eine neue Welt bauen.



Comentários

boa dia disse…
et dans le second, fermez les yeux
https://youtu.be/RRUK9E_auks?si=_upNu8tQpIUbqM8c
c disse…
Fechamos os olhos para ver dentro da nossa cabeça. Godard também faz isso nos filmes quando insere as imagens pretas.

É uma boa aula.