Voltei ao Cioran. Ao traduzir uma anotação dos Cadernos de finais de 1967, encontrei um insulto esquisito: fruits secs — assim mesmo no plural e com um sentido que não está registado nos verbetes dos dicionários. Depois de pesquisar, percebi que era um insulto do século XIX (Cioran tem esta capacidade maravilhosa de agarrar o que há de mais vivo numa língua, venham as palavras do passado ou do futuro). Historicamente, a expressão é muito rica e esteve prestes a sair da redoma do francês, bastava que Flaubert não a tivesse descartado para título do que viria a ser A Educação Sentimental. No entanto — e apesar de não faltarem por aí frutos secos —, duvido que no nosso tempo pudesse surgir um insulto deste tipo, nem sequer em França. Seria necessário, pelo menos, exagerar um pouco o atributo para instaurar alguma estranheza: murcho, ressequido ou até mesmo mirrado.
Quanto à tradução, podemos fazê-la à letra explicando numa nota de rodapé o sentido figurado: não se trata de um fruto seco por si ou desidratado, antes um fruto que prometia ser esplêndido mas falhou redondamente (consultar Fruits secs: une formule de l’échec au XIX siècle ou Dictionnaire de la langue verte, de Alfred Delvau). Se estivermos para aí virados, também podemos alterar um bocadinho a natureza do substantivo: gosto particularmente de figo seco, por causa de um texto que o Rui escreveu há uns tempos ou fava seca porque tem uma sonoridade forte que lhe permite transformar-se num insulto forte e feio.
Comentários
(do guardian: Two tourists from Boston squeezed out of a Left Bank doorway between a tunnel of piled-up garbage. “I deliberately didn’t send my mum any photos showing this, but she saw it on the BBC,” one said.)
Mas agora é tudo tão estranho. Ontem houve uma manifestação na praça Saint-Sulpice para defender os ratos:
https://www.tf1info.fr/societe/paris-en-pleine-greve-des-eboueurs-une-manifestation-d-association-pour-defendre-les-rats-2251353.html
(é a milésima segunda história de Sherazade, já leste o conto do Poe? É tudo real, verídico, factual; e ainda assim...
É um daqueles contos humerísticos de Poe. A Flannery tem a certeza que ele os escreveu bêbado e eu acredito :D