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Mensagens

O bigode

1. Andras nunca tinha deixado crescer o bigode. 2. Andras decidiu deixar crescer o bigode. 3. O bigode de Andras começou a crescer. 4. Andras deixou de conseguir dizer certas palavras. 5. O bigode de Andras continuou a crescer. 6. Andras dizia menos palavras. 7. O bigode de Andras crescia para os lados, para cima e para baixo. 8. Às vezes, Andras emitia sons que se assemelhavam a palavras. 9. Todos os dias, o bigode de Andras crescia mais um pouco. 10. Andras esforçava-se por emitir sons que se assemelhassem a palavras. 11. O bigode de Andras era longo e farfalhudo. 12. Andras deixou de falar. 13. O bigode de Andras continuou a crescer. 14.

Octavo

Começou a contar vagarosamente pelos dedos, uns dedos longuíssimos e muito finos, de uma brancura de marfim: primo, a Gula; secundo, a Avareza; tertio, a Luxúria; quarto, a Ira; quinto, a Inveja (mudou de mão); sexto, a Preguiça; septimo, a Soberba; octavo, a vontade de coçar aquele sítio.

Um carvalho e duas tílias

Era uma vez e várias vezes um homem que mudava de cor segundo as condições meteorológicas. A pele exibia um inconfundível azul-celeste em dias de sol, era turquesa quando fazia muito calor, damasco com nuvens escuras, vermelho violeta com chuva, ocre durante uma tempestade, ametista quando não fazia sol nem chuva, cinza ardósia com vento forte, lilás com vento fraco, jade quando soprava apenas uma brisa suave, púrpura com tempo de nevoeiro, carmesim em alturas de trovoada, índigo com granizo, terracota em manhãs de geada, e por aí adiante. O homem consultou médicos, clínicos, especialistas, terapeutas, curandeiros, mezinheiros, feiticeiros e charlatães. Tudo em vão. Experimentou infindáveis cremes, óleos, loções, cosméticos, pílulas, ampolas, pastilhas e comprimidos. Tomou banhos quentes e frios, de água doce e salgada, ao romper da aurora, ao meio-dia e ao crepúsculo, com pétalas de flores raras do Tibete, corais do mar vermelho, algas do rio amazonas. E depois destas e de muitas out

Constipação

John Dunstable foi o príncipe, a glória e a luz da música. O primeiro a libertá-la das algemas do canto gregoriano. No decurso dos séculos, a música tinha-se petrificado pouco a pouco. As tonalidades religiosas já não podiam dar muito mais. As canções mundanas despertavam muito mais interesse do que as velhas melodias. Dunstable, porém, rompeu com as tonalidades religiosas. Para ele só se impunham o modo maior e menor (dur e moll), que tanto agradavam ao povo. Prescindiu da vacuidade das quartas e quintas e optou pelos acordes do trítono. Fez da música uma arte formosa, livre e mundana. Restituiu-lhe toda a sua primitiva vivacidade. Por fim, apanhou uma terrível e incomodativa constipação, e tudo o que construíra até aí se desmoronou como um castelo de cartas.

Risadinhas maldosas

Dizia-se que quem olhasse directamente para uma Górgona transformava-se em pedra. Ora, Petch Massudi, que era muito distraído, pousou os olhos sem querer em Esteno*, a mais terrível das Górgonas. Transformou-se imediatamente em árvore. Mãos, braços, pernas, cabeça, tudo transformado em madeira, casca e folhas. Um pardal que assistira a tudo, deu três voltas no ar, aproximou-se com um ar estudadamente amigável e soltou uma bosta inaugural sobre um dos raminhos mais elegantes de Petch Massudi. Depois, com a língua de fora, voou para longe, gingando, entre risadinhas maldosas. * Na realidade, os seus olhos pousaram em Euríale, que andava por ali a colher cogumelos. Mas não vale a pena insistir nesse ponto.

Coincidência estatística

Um recente estudo do Ateliê Parisense de Urbanismo registrou o fechamento de 83 livrarias parisenses entre 2011 e 2014, uma queda de 10% do total. Por outro lado, em uma irônica coincidência estatística, a mesma pesquisa apontou que o maior crescimento no comércio se verificou na venda de óculos: o número de óticas aumentou em 18% no período, com a abertura de mais 138 lojas na capital. Aqui.
William Archer paying a humble visit to Henrik Ibsen. Max Beerbohm, 1904.

Além disso

«Onde é que roubas os teus livros, principalmente?» «Principalmente em minimercados», explicou Carl. «Agradam-me porque, na sua maior parte, são lojas compridas e estreitas, e os empregados têm tendência a ficar junto dos balcões de venda de medicamentos, lá ao fundo, enquanto os livros costumam estar naqueles pequenos expositores giratórios, perto da entrada. Normalmente é facílimo enfiar uns poucos à socapa no bolso do sobretudo, no caso de uma pessoa trazer um sobretudo vestido.» «Mas...» «Sim», prosseguiu Carl, «sei bem o que estás a pensar. Se roubo livros, também sou capaz de roubar outras coisas. Mas roubar livros é metafisicamente diferente de roubar dinheiro. Villon diz qualquer coisa muito boa acerca do assunto, creio.» «Referes-te àquele filme, Se Eu Fora Rei ?» «Além disso», acrescentou Carl, «vais dizer-me que nunca roubaste nada? Em nenhum momento da tua vida?» «A minha vida...», retorquiu Edward. «Porque é que me recordas isso?» Donald Barthelme, 60 histórias .

Uma situação rara sob todos os aspectos

A primeira vez que aconteceu foi na noite da estreia. O actor Sascha Ziegelböck ficou tão perturbado com o caso que não dormiu até de manhã. Na noite seguinte, tudo se repetiu, exactamente como na anterior: subiu ao palco, fez alguns gestos ensaiados e começou a dizer o texto, na sua lúgubre, gutural e monótona voz de bode. Um mar de ais e gritinhos varreu então a sala em ondas sucessivas. Uma após outra, as palavras do actor abriam feridas nos corpos dos espectadores. Ninguém escapou ileso. Depois, aplausos. Aplausos e mais aplausos. Os mais insistentes e vigorosos que ouvira em toda a carreira*. Nessa noite, houve quem saísse do teatro meio morto, mas muito satisfeito. Nos dias que se seguiram, os espectáculos esgotaram. A mesma coisa: Sascha começava a dizer o texto e, acto contínuo, as palavras abatiam-se sobre os corpos com uma fúria descontrolada, abrindo golpes, arrancando carne, partindo ossos e, claro está, provocando desmaios, muitos desmaios. Lamentavelmente, não sou capaz

A pedra

Uma manhã, percorrendo como habitualmente o caminho para o trabalho, Ludwig tropeçou numa pedra e caiu. Na manhã seguinte, tropeçou e caiu outra vez. No dia a seguir, a mesma coisa. Tropeçava sempre na mesma pedra. Ao quarto dia, e estando prevenido, decidiu atinadamente corrigir o percurso e passar ao lado. No entanto, a pedra tinha desaparecido do seu lugar. Ludwig franziu as sobrancelhas. Depois, encolheu os ombros, suspirou e prosseguiu caminho. Mais à frente, a pedra acertou-lhe em cheio na cabeça.

Um enorme urso pardo

Paavo Vitsut entrou na repartição como um enorme urso pardo. Sentou-se, como de costume, atrás da secretária e começou de imediato a desempenhar as suas tarefas habituais. Os funcionários do jardim zoológico chegaram pouco depois. Pareciam estar sem paciência para brincadeiras.

Poesia. Eu também a abomino.

Só não gostam de poesia os poetas que sabem fazê-la, como Marianne Moore. O poema a que me refiro e do qual dou uma “intradução” tem duas versões, das quais ela preferiu a mais breve, remetendo a versão estendida para as notas. Na minha “intradução”: “Poesia. Eu também a abomino. Lendo-a todavia com total desprezo a gente descobre afinal um lugar para o genuíno.” Minha relação com a poesia é muito intensa e contraditória, como imagino que seja a de Marianne, que pratica uma antipoesia, extraindo poesia dos contextos menos poetizáveis. Não compartilho do júbilo recreativo com que tantos colegas meus gostam de exibir seus poemas. Creio com Bernardo Soares que “não há obra de artista que não pudesse ter sido mais perfeita. Lido verso por verso, o maior poema poucos versos tem que não pudessem ser melhores, poucos episódios que não pudessem ser mais perfeitos” etc. Prefiro a poesia dos que vejo menos sujeitos à imperfeição. Leio-os, tento aprender com eles, trituro-os, traduzo-os, “intradu