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Um carvalho e duas tílias

Era uma vez e várias vezes um homem que mudava de cor segundo as condições meteorológicas. A pele exibia um inconfundível azul-celeste em dias de sol, era turquesa quando fazia muito calor, damasco com nuvens escuras, vermelho violeta com chuva, ocre durante uma tempestade, ametista quando não fazia sol nem chuva, cinza ardósia com vento forte, lilás com vento fraco, jade quando soprava apenas uma brisa suave, púrpura com tempo de nevoeiro, carmesim em alturas de trovoada, índigo com granizo, terracota em manhãs de geada, e por aí adiante.
O homem consultou médicos, clínicos, especialistas, terapeutas, curandeiros, mezinheiros, feiticeiros e charlatães. Tudo em vão. Experimentou infindáveis cremes, óleos, loções, cosméticos, pílulas, ampolas, pastilhas e comprimidos. Tomou banhos quentes e frios, de água doce e salgada, ao romper da aurora, ao meio-dia e ao crepúsculo, com pétalas de flores raras do Tibete, corais do mar vermelho, algas do rio amazonas. E depois destas e de muitas outras tentativas falhadas, cujos pormenores peço desculpa de guardar só para mim, o homem fez o que qualquer pessoa cansada faria: cansou-se.
O caso não tinha cura.
Fechou-se então em casa. Permanecia todo o dia no quarto, sentado no seu cadeirão junto da janela, mudando de cor e olhando para a rua, ou talvez nem isso, olhando apenas para o vazio, de sobrancelhas arqueadas, negras, assírias.
Morreu muito velho, enquanto reprimia um bocejo. Nesse dia exibia um belíssimo tom turquesa, apesar de fazer frio e chover torrencialmente. Um carvalho e duas tílias foram, como é habitual nestes casos, plantadas junto do seu túmulo.*

* Uma das tílias é da espécie T. tomentosa Moench (Tília prateada), com folhas verde-escuras, glabrescentes e pubescentes na página superior, e tomentosas-prateadas na página inferior.


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