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Como não escrever um texto sobre os filmes de Pedro Costa

Olhamos para as cores e sombras e desatamos logo a elaborar uma tese cheia de pensamentos em bicos de pés e comparações sofisticadas. Mas quando começamos a escolher as palavras (— Que noite feroz!), percebemos que se trata de uma partida das condições de trabalho: a redução e a disponibilidade evidenciam a grandeza que já existia, que existe desde sempre (como em certos poemas de William Carlos Williams ou fotografias de Jacob Riis), que só não vemos por falta de atenção. Reviravolta. Talvez a estrutura dos filmes seja mais dura, mais real («se perder a realidade, perco o cinema»), mais afim do tempo dos homens: História e Geografia e Política. Pegamos nas nossas bandeiras e entramos na marcha; entretanto lembramo-nos do labirinto em linha recta e saltamos fora. — Se calhar a cena do Pedro Costa é o espaço e a arquitectura? Caramba, tantas escadas, muros, portas, quartos e janelas, o bairro! A própria Vanda é um sítio. Ou a música que vem e vai desde o início como uma respiração — umas vezes muito serena, outras como um trovão. Essa música que todos ouvimos quando já não há mais nada. Ou coisas ainda mais simples e antigas como abrir os olhos, escrever cartas, fazer colagens, resolver pequenos problemas técnicos? E ficamos baralhados e isso é bom. Isso é o melhor que nos pode acontecer. É a página em branco.

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