Compreenda, escrever aforismos é muito simples: vamos a jantares, uma senhora diz um disparate, isso inspira uma reflexão, regressamos a casa e escrevemo-la. É mais ou menos assim o mecanismo, não é? Ou então à noite temos uma inspiração, um princípio de fórmula, às três horas da madrugada escrevemos essa fórmula. E finalmente isso torna-se um livro. Não é sério. Não se pode ser professor universitário com aforismos. Isso não é possível. Mas, numa civilização em desagregação, este género de coisas está muito bem. É evidente, não se deve nunca ler um livro de aforismos de uma ponta à outra. Porque temos a impressão de caos e de uma falta de seriedade total. É preciso lê-lo unicamente ao anoitecer antes de nos deitarmos. Ou num momento de tristeza, de desgosto. Ler Chamfort de uma ponta à outra não faz sentido, pois os seus aforismos são generalidades instantâneas. É pensamento descontínuo. Você tem um pensamento que parece explicar tudo, aquilo a que chamamos pensamento instantâneo. É um pensamento que não contém muita verdade, mas que contém um pouco de futuro. Nas experiências da vida podemos sempre verificar o sentido e o conteúdo. É uma dobra do espírito que devemos ter. Na Rússia, na literatura russa, que eu saiba não há aforismos. Na Alemanha muito pouco. Apenas Lichtenberg e Nietzsche praticam o género. Em Itália tão pouco. É ainda uma especialidade francesa, o aforismo. Mas é uma mistura de sério e não sério. Às vezes faço afirmações completamente insensatas que me são atiradas à cara. Posso muito bem dizer: “Ouçam, digo o contrário; basta virar a página.” Não é que eu seja um sofista, o moralista não é um sofista. Mas são verdades pensadas na experiência. São verdades falsamente fragmentárias. É preciso aceitá-las como tal. Mas, evidentemente, a vantagem do aforismo é que não temos de dar provas. Lançamos um aforismo como quem lança uma bofetada.
Entretiens, E. M. Cioran with Léo Gillet (1982), éd. Gallimard, coll. Arcades, Paris, 1995, pp. 78-79.
Entretiens, E. M. Cioran with Léo Gillet (1982), éd. Gallimard, coll. Arcades, Paris, 1995, pp. 78-79.
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