É uma história que parece inventada, mas não é. Houve um ano em que os narradores entraram em greve. Todos os narradores: homodiegéticos, heterodiegéticos, autodiegéticos e mais as suas subcategorias (sigo aqui a terminologia de Gérard Genette, também usada por Ann Rigney). A greve não visava nenhum objectivo, digamos, político. Os narradores apenas estavam cansados da literatura. Cansados de contar histórias que pertenciam a outros. Reivindicavam o direito à ausência, ao silêncio e ao esquecimento. E, assim, muito simplesmente, decidiram evaporar-se. E, de facto, evaporaram-se.
Ora, ninguém estava preparado para uma situação daquelas. O fenómeno desafiava a análise segundo qualquer fórmula de compêndio e foi descrita pelo grande William Tovey como sendo de uma gravidade sem paralelo na literatura anterior ou posterior (estou a citar sem aspas). Milhares e milhares de histórias, e nem um só narrador para as contar.
Nesse ano, muitos livros ficaram por terminar. Os editores, que normalmente exibem o seu fatinho à marujo, os cabelos bem penteados e os sapatos engraxados, como uma genuína ilustração da moda, andavam pelas ruas de mãos na cabeça, roupa em desalinho e cabelos em pé. Os livreiros atendiam cabisbaixos e os leitores sentiam-se nervosos e tinham maus sonhos.
Os autores, esses, pálidos até às orelhas, chegaram a estados de desespero extremo, com resultados que é preferível não lembrar. Limito-me a referir – e isto é apenas um pequeno exemplo – que, na sequência da greve, quase todos os escritores deixaram de consagrar as suas humildes orações a São Francisco de Sales, até aí o seu fiel padroeiro, passando a dedicá-las a S. Mederico, o Eremita*.
Depois, apareceu Kafka. Bocejou, coçou a nuca, cruzou e descruzou as pernas, e a greve terminou de imediato. Porquê? Perguntarão. Pois é precisamente esta questão que gostaria de deixar à reflexão do meu querido e arguto leitor.
* Também invocado para curar desarranjos intestinais.
Página dos Cronistas do Bairro.
Ora, ninguém estava preparado para uma situação daquelas. O fenómeno desafiava a análise segundo qualquer fórmula de compêndio e foi descrita pelo grande William Tovey como sendo de uma gravidade sem paralelo na literatura anterior ou posterior (estou a citar sem aspas). Milhares e milhares de histórias, e nem um só narrador para as contar.
Nesse ano, muitos livros ficaram por terminar. Os editores, que normalmente exibem o seu fatinho à marujo, os cabelos bem penteados e os sapatos engraxados, como uma genuína ilustração da moda, andavam pelas ruas de mãos na cabeça, roupa em desalinho e cabelos em pé. Os livreiros atendiam cabisbaixos e os leitores sentiam-se nervosos e tinham maus sonhos.
Os autores, esses, pálidos até às orelhas, chegaram a estados de desespero extremo, com resultados que é preferível não lembrar. Limito-me a referir – e isto é apenas um pequeno exemplo – que, na sequência da greve, quase todos os escritores deixaram de consagrar as suas humildes orações a São Francisco de Sales, até aí o seu fiel padroeiro, passando a dedicá-las a S. Mederico, o Eremita*.
Depois, apareceu Kafka. Bocejou, coçou a nuca, cruzou e descruzou as pernas, e a greve terminou de imediato. Porquê? Perguntarão. Pois é precisamente esta questão que gostaria de deixar à reflexão do meu querido e arguto leitor.
* Também invocado para curar desarranjos intestinais.
Página dos Cronistas do Bairro.
Comentários