Trata-se de um compositor de polcas. Pestana, o mais famoso do momento, reconhecido e louvado por onde vá, procurado pelos editores, abastado materialmente. No entanto, Pestana odeia as suas polcas que toda a gente canta e executa, porque o seu desejo é compor uma peça erudita de alta qualidade, uma sonata, uma missa, como as que admira em Beethoven e Mozart. À noite, postado no piano, leva horas solicitando a inspiração que resiste. Depois de muitos dias, começa a sentir algo que prenuncia a visita da deusa e a sua emoção aumenta, sente quase as notas desejadas brotando dos dedos, atira-se ao teclado e… compõe mais uma polca! Polcas e sempre polcas, cada vez mais brilhantes e populares é o que faz até morrer. A alternativa é negada também a ele; só lhe resta fazer como é possível, não como lhe agradaria. Neste conto terrível [de Machado de Assis] sob a leveza aparente do humor, a impotência espiritual do homem clama como do fundo de um ergástulo.
Antonio Candido, O direito à literatura e outros ensaios.
Antonio Candido, O direito à literatura e outros ensaios.
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