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Melhor do que nada

Andava eu de um lado para o outro, para trás e para diante, sem ideias, para trás e para diante, vazio como um pêndulo. Já não escrevia há largos, longos, longos dias. A minha situação era mais do que desesperada. De repente, tudo se incendiou e uma ideia brilhante atingiu-me em cheio, como um relâmpago estupendo. Que ideia era essa?
Era uma ideia brilhante, uma ideia singular, tão brilhante e tão singular que receio não ser capaz de a reproduzir aqui devidamente. Talvez, talvez seja mais prudente classificar a ideia como bastante interessante. Ou, pelo menos, aceitável. Admito até que uma ou outra ovelha ranhosa a considere simplesmente pateta.
A ideia consistia mais ou menos no seguinte: escondido atrás de uma paragem de autocarro, estava um enorme peixe a pescar homens.
É ou não uma ideia engraçada?
De olhos esbugalhados, medonhos, extáticos, esforçando-se por não fazer barulho, não se atrevendo a um único movimento, o peixe esperava há horas para pescar qualquer coisa, mas já quase não havia homens para pescar. “Isto não vai bem”, pensava ele, “isto não vai bem”, e assim por diante.
Depois, o peixe teve a sorte de pescar um velho que passava por ali, caminhando penosamente. Não estou certo de que fosse um velho ou uma velha. Eu assistia a tudo isto a uma certa distância. O peixe pensou, disfarçando uma careta: “Vá lá, é melhor do que nada.” Sempre uma gota de amargura misturada no vinho da alegria. O velho esperneava, vermelho como uma papoila, preso de louca aflição. O peixe, apesar de tudo, lambia os beiços. Uns beiços azuis, muito azuis e muito verdes.
O bicharoco ergueu-se de um salto e, abanando o rabo com gosto, encaminhou-se para o lago com o velho debaixo do braço. Eu bem dizia que tudo havia de acabar assim.

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