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Se tivesse uma fotografia percebia-se melhor

Havia já algum tempo que Goetz Hebler se sentia vigiado. Voltando-se, quando caminhava pela rua, não avistava vivalma; mas tinha a certeza de que alguém o observava. Por vezes, ainda entrevia uma sombra, uma fugaz corrente de ar, um repentino movimento nas árvores. Olhava com mais atenção e… nada.
À noite, quando apagava a luz, a angústia espalhava-se como sangue no escuro. Era evidente que uns olhos odientos e maus o fitavam por detrás das sombras. Goetz cerrava os punhos, e mordia a língua. Levantava-se, passava água fria pela cara e não dormia. Não há palavras que descrevam o seu desespero. Se tivesse uma fotografia percebia-se melhor.
Foi quando imaginou uma solução engenhosa: comprou um cão. Um bicho enorme e destemido, que dava pelo nome de Donatello. “Mais vale um bom companheiro do que ter muito dinheiro”, pensou Goetz, que se sentia mais confiante. Tudo parecia então correr pelo melhor.
Ao fim de algum tempo, porém, o cão começou a cofiar os bigodes sem parar (era o seu tique de impaciência). Tinha a impressão de que algo muito negro se urdia nas suas costas. Para onde quer que fosse, acreditava estar a ser vigiado, talvez por outro cão, embora não farejasse nada num raio de vários quilómetros.
Com tudo isto, também Donatello se deixou afundar no medo. De rabo entre as pernas, tremia como varas verdes. Enfim, aquilo era mais forte do que ele. Foi quando imaginou uma solução engenhosa: fingindo um fanico, atirou-se para o chão e nunca mais se levantou. Vendo o exemplo do cão, Goetz Hebler fez o mesmo.

Publicado no Porto24, página dos Cronistas do Bairro.

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