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Uma bela vida

Antes de tudo tomar o rumo feliz que tomou, as coisas eram muito diferentes. Giovanni Capirola não tinha descanso. Todas as madrugadas, ainda antes de o dia despontar, os pássaros acordavam-no com uma autêntica avalanche de chilreios e assobios. E cumpriam tão fervorosamente as suas obrigações matinais, que Giovanni não se lembrava de ter dormido uma noite inteira em toda a sua vida. E isso custava-lhe muitos desgostos. E foi assim, dia após dia, ano após ano. Desde que nasceu.
Ora, ao fim de todo aquele tempo de convívio, Giovanni tornara-se capaz de imitar a linguagem misteriosa e rebuscada dos pássaros, até aos mais ínfimos pormenores. Conseguia enganar qualquer criatura com penas, mesmo as mais desconfiadas. Atraía-as com chamamentos amorosos, por exemplo, e depois caçava-as com as próprias mãos. Um após outro, posso assegurá-lo, todos os pássaros desapareceram. Todos menos um.
Giovanni poupou um pintassilgo (Carduelis carduelis), a que deu o nome de Sofia Von Fulda e que tomou como esposa. E assim pôde finalmente concretizar o seu sonho de dias balsâmicos e silenciosos, de um lar próspero e tranquilo, de uma linda parentela, de doces sentimentos familiares, e de experimentar o que se pode chamar uma bela vida.

Publicado no Porto24, página do Bairro dos Livros.

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