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Gustav

Aparentemente, Gustav era um anjo igual aos outros. Uma criatura de grande virtude, bondade, graça e encantadora frescura, com longos caracóis louros presos por uma fitinha azul, e níveas asas, amplas e saudáveis.
No entanto, havia algo que o distinguia dos outros anjos: tinha medo das alturas. Quer dizer, sofria horrivelmente de vertigens. Ora aqui está como o destino, com o seu braço um tanto comprido, está sempre pronto a fazer das suas.
Quantos mistérios há nos céus e na terra!
Ora, esta espécie de maldição era a causa de incontáveis dissabores. As vertigens impediam-no de permanecer muito tempo acima das nuvens. Começava a sentir tonturas, calafrios, náuseas, toldava-se-lhe a visão e era atacado de gaguez. Por isso, sempre que podia, e a coberto de uma desculpa qualquer, vinha deitar-se na terra, debaixo do sol.
E embora Deus, por delicadeza, por decência, por cordialidade, por pudor, enfim, por misericórdia, não mostrasse abertamente a sua insatisfação, Gustav achava-se impedido de progredir nas hierarquias dos anjos.
Mas isto não é nada comparado com o que sucedeu depois. A certa altura, e de uma forma que escapa a qualquer entendimento, começaram a nascer-lhe asas, digamos, suplementares. Umas atrás das outras. Asas nas pernas, nos braços, nos pés. Uma asinha em cada dedo. Nos últimos tempos tinha já quase tantas asas como uma daquelas bestas do Apocalipse. Dir-se-ia que o céu se comprazia em atraí-lo para as alturas, apesar das crescentes vertigens de que era acometido.
Talvez por tudo isto Gustav tenha morrido cedo. O que surpreende tendo em conta a sua forte constituição. Veremos o que irá passar-se com ele a partir de agora.

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