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Abarcar tudo num relance

Lendo As Maçãs Douradas, de Eudora Welty (tradução de Diana V. Almeida), alcança-se facilmente o mundo inteiro. Em duas ou três linhas, o leitor tem uma visão plena de um determinado tempo e lugar (uma “visão 360º” ou “surround”, como sói dizer-se hoje em dia). O termo que me ocorre é de uma experiência de “leitura total”. O efeito consegue-se, creio, através de uma fascinante combinação de referências que remetem para os quatro elementos: água, terra, fogo e ar.

Um exemplo retirado da página 31:
“Loch podia espreitar através do renque de cedros, onde faltava um, e abarcar tudo num relance – como se lhe pertencesse – desde o alpendre da frente às traseiras, que pareciam um telheiro, e ao gazebo sombrio, que despertava nele um amor completamente diferente, com o seu aroma a folhas negras, que se desfaziam em fuligem, e com a sombra das quatro figueiras, onde ele havia de ir roubar figos, se Julho alguma vez chegasse. E, acima da sombra escura como um barco, faiscava o céu azul, com o fulgor de uma batalha e quente como o fogo.” (Sublinhados meus.)

Claro que há uma estreita relação entre a escrita de Welty e a sua circunstância (sul dos Estados Unidos, anos 40), que é marcada pela presença perene dos quatro elementos: água (delta do Mississípi), terra (campo, segregação racial e violência), fogo (o calor do sul) e ar (o infindável azul do céu). Mas o truque de Welty está justamente na maneira hábil como combina os elementos, que se transformam em puros instrumentos úteis para a construção literária. Assim, uma história de Welty converte-se facilmente numa espécie de história concisa da humanidade.


Eudora Welty é o tema da primeira Acta, a edição exclusiva de ªSede.

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