Na primeira cena de Vai e Vem , João Vuvu, o personagem de João César Monteiro, lança um fígado aos pombos. Que espécie de vai e vem há entre esta cena, a primeira do seu último filme, e o mito de Prometeu? Que fogo João César Monteiro roubou aos deuses? No derradeiro plano, esse famoso, comovente e genial último plano , o olho de César Monteiro ocupa toda a tela, olhando-nos de frente. Nesse olho, reflecte-se uma árvore, o amplo cipreste do jardim do Príncipe Real , em Lisboa. A árvore dos mortos que dá sombra aos vivos. O vai e vem entre o mundo dos espectros, “das quimeras”, nas palavras de João Vuvu, e o nosso mundo. É nesse exacto lugar, entre os dois mundos, que se situa toda a arte. O plano dura mais de cinco minutos, o tempo do motete Qui habitat in adjutorio altissimi , de Josquin Des Prés, que se ouve em fundo e cujo texto consiste nos oito primeiros versos do Salmo 90. 1. Tu que habitas sob a protecção do Altíssimo, que moras à sombra do Omnipotente, 2. diz ao Senhor: S...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral