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Cansaço

Breves notas sobre a poesia de Manuel Resende IX

Haverá instrumento, aparelho, tecnologia, capaz de medir o nosso cansaço? Não se trata só de um cansaço de mundos, como em Álvaro de Campos, mas de todo o cansaço do mundo. «Para que serviram/ Tantos olhos entornados,/ Tanto requebro no corpo, tanta catedral, tanta obra de arte?/ Tanto filósofo enjoado?» Uma corrida universal contra o tempo, para chegarmos, na melhor das hipóteses, ao exacto ponto de onde partimos. Porque todos somos Ulisses e Ítaca fica em toda a parte. O mundo é velho, como um barco velho, e as tentativas para o mudar pouco mais engendram do que cansaço. E o que fazer senão voltar a partir e regressar outra vez, e partir de novo e outra vez regressar?

Pireu!
A cena está posta: os poucos haveres, tenho-os num saco, e o saco no convés, e o corpo vazado num cansaço espesso e vagaroso,
E vou, sem amor e sentimento, só ir,
por esse roxo mar que Ulisses navegou.
A cena está posta e juro que, dentro do peito, que digo eu?,
Dentro desta morada do cansaço que já me vai comendo os olhos,
Dentro do próprio cansaço, a pouco e pouco me vão­ latejando epopeias, me sobram­ do coração,
Fisicamente, com doce dor alegria e o medo de ser verdade,
Bichos
Que espreitam da noite uma clareira onde deitar a sua longa errância.
E cada um vai ocupando o seu lugar.



(Já da Mansa Baía as Naus se Apartem.)

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