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Um detalhe

O pai está de pé, ligeiramente inclinado para a frente. Camisa escura e gravata vermelha, sob um avental azul. Cabelo e bigode bem cuidados. Tem o ar seguro e determinado de um pequeno proprietário de restaurante. A mãe está sentada, de vestido bordô e avental branco. Há uma espécie de luz serena que emana das suas mãos enrubescidas e gastas pelo trabalho. Ou talvez seja apenas farinha e não luz. Do seu lado esquerdo, sobre uma mesa, o pão e o vinho, e logo atrás, bem arrumado num louceiro, um aquário com dois peixes. Todos os símbolos sagrados de um pacato lar cristão. Mãe e pai têm as mangas arregaçadas como se tivessem interrompido o trabalho apenas por alguns segundos para posar para o quadro.

A filha é a única personagem que não olha directamente para o espectador. É uma rapariguinha elegante, de vestido vermelho e sapatos de tacão. Tem o olhar fixo em qualquer coisa que está fora do enquadramento. Parece menos interessada no assunto do quadro do que os outros personagens. Talvez sonhe com uma vida diferente, mais glamorosa, longe da cozinha e do balcão do restaurante.

No centro está o filho mais pequeno, ainda em idade de brincar. Mostra, com orgulho, a sua trotinete verde. É a promessa e o futuro da família. Boca, nariz e orelhas quase decalcadas das do pai. São fisicamente muito parecidos. Mas há uma diferença. Não passa de um detalhe, mas é impossível não reparar. Na verdade, é um detalhe que domina todo o quadro. O olho esquerdo do rapaz tem um defeito. O rapaz é vesgo. E aquele minúsculo olho estrábico, no exacto centro do quadro, é um aviso silencioso, uma sombra imprecisa, uma vaga e secreta ameaça à ordem e ao futuro da família.

Milo Milunović, Family of Bartenders, 1922.

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