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Película aderente

— O Walter Benjamin está quase todo em saldo na Flâneur.
— Não deve vender muito…
— Talvez. Mas é estranho, não achas?
— Estranho?
— Sim, estranho. Afinal, é um dos pensadores do século XX mais citados do mundo.
— Do mundo ocidental é, com certeza. Não há ensaio, artigo, nota de rodapé, que não inclua uma citação de Walter Benjamin.
— O mais citado, sim, mas será o mais lido?
— E os que o leram, tê-lo-ão compreendido?
— Li tudo o que está traduzido e há muitas ideias que não compreendi. A maioria, devo confessar.
— Sim, há qualquer coisa difícil de definir e que nos impede de chegar ao verdadeiro sentido das suas palavras. Uma espécie de falsa transparência.
— Como se os textos estivessem envolvidos em película aderente. Consegues ver o que está por baixo, mas não lhe tocas verdadeiramente.

Comentários

c disse…
Aber muß das Glatte unbedingt unser Ideal sein (muß es unser Ideal sein, daß alles in
Zellophan gewickelt sei)?
Não, o fácil não tem de ser o nosso ideal. E ainda menos embrulhar tudo em celofane. Para mim, o caso de Walter Benjamin é fascinante. Leio uma passagem e tudo parece simples e transparente, mas depois fico sempre do lado de cá do texto. Insisto, volto a ler. E leio de novo. E fico sempre com a sensação de que não percebi o sentido, que há qualquer coisa que me escapa. E o texto continua diante de mim: simples, límpido e transparente. É estranho. O problema sou eu, obviamente.
Ah, já me esquecia.
A propósito das citações. Também tenho a impressão de que muitas vezes o Benjamin é citado em circunstâncias que não têm muito a ver com o sentido da citação. Mas não tenho a certeza. É tudo muito misterioso. E ainda bem. Falta mistério nas nossas vidas.
c disse…
Era uma provocação (segundo as regras oficiais, as provocações em alemão são mais intensas).

Ele também escreveu isto:

Es ist sehr merkwürdig, dass man zu meinen geneigt ist, die Zivilisation – die Häuser, Strassen, Wagen, etc. – entfernten den Menschen von seinem Ursprung, vom Hohen, Unendlichen, u.s.f. Es scheint dann, als wäre die zivilisierte Umgebung, auch die Bäume und Pflantzen in ihr, billig eigenschlagen in Zellophan, und isoliert von allem Grossen und sozusagen von Gott. Es ist ein merwürdiges Bild, was sich einem da aufdrägt. (É muito notável que se esteja inclinado a pensar nesta civilização - casas, árvores, carros, etc. - como separando o homem de suas origens, daquilo que é sublime e eterno. Parece que o ambiente civilizado, juntamente com suas árvores e plantas, está como que embrulhado, de um modo reles, em celofane, e isolado de tudo o que é grandioso, e por assim dizer, de Deus. É uma imagem notável que se impõe aqui.)

Gosto da imagem do celofane ou da película transparente. Dá para muitas coisas.

Mas no caso de Walter Benjamin, creio que é necessário um material mais opaco. Ele é muito obscuro, parece que escreveu tudo às escuras e debaixo de uma manta e cifrado e...
É obscuro, sim, mas de uma maneira estranha. Porque ao primeiro contacto, o texto flui, sem constrangimentos, como uma corrente tranquila e transparente. Frases relativamente simples e claras. O problema vem depois. Afinal, o que é isto que acabei de ler? O que quer dizer? E por mais que mergulhes, nunca sais da superfície. É esta a sensação que tenho.
c disse…
Ah, a minha percepção é diferente. Não encontro transparência, nem no primeiro contacto. Quando percebo alguma coisa, creio quase sempre que percebi errado. Mas "perceber errado" já é um princípio. :)