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Um pratinho de tremoços

Os espíritos lúcidos, para dar um carácter oficial à sua lassidão e impô-la aos outros, deviam constituir uma Liga da Decepção. Talvez assim conseguissem atenuar a pressão da história, tornar o futuro facultativo...


Que pena que, para chegar a Deus, seja necessário passar pela fé!


Se acreditasse em Deus, a minha presunção não teria limites: passearia nu pelas ruas...


Fora da matéria, tudo é música: o próprio Deus não passa de uma alucinação sonora.


Não é Deus, é a Dor que desfruta das vantagens da ubiquidade.


Quis fixar-me no Tempo; era inabitável. Quando me virei para a Eternidade, perdi o pé.


Mais ainda que a religião, o cinismo comete o erro de prestar demasiada atenção ao homem.


O cepticismo que não contribui para a ruína de nossa saúde não é senão um exercício intelectual.


O que irrita no desespero é o seu fundamento, a sua evidência, a sua «documentação»: é uma reportagem. Examinem, pelo contrário, a esperança, a sua generosidade no erro, o seu modo de efabular, a sua rejeição do acontecimento: uma aberração, uma ficção. E é nessa aberração que reside a vida, e é desta ficção que se alimenta.


César? Dom Quixote? Qual dos dois, na minha presunção, quero tomar como modelo? Isso não importa. A verdade é que um dia, de uma terra longínqua, parti à conquista do mundo, de todas as perplexidades do mundo…


Deixámos de ser jovens quando já não escolhemos os nossos inimigos, contentamo-nos com os que estão à mão.


No contacto com os homens perdi toda a frescura das minhas neuroses.



Emil Cioran, (Alguns) Silogismos da Amargura (Ocidente, O Circo da Solidão, Religião), traduzidos do francês.

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