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Conheces o conto “Os Mortos” de Joyce?

É uma pena “O Hábito de Ser: Cartas de Flannery O’Connor” não estar traduzido para português. Ela também é muito boa a escrever cartas.

Mais um excerto, desta vez de uma carta escrita a Ben Griffith a 6 de agosto de 1955:

(...) Quando li o teu conto pensei logo em dois outros contos que acho que deves ler antes de começares a reescrever. Um é “O Lamento” de Tchékhov e o outro “Guerra” de Luigi Pirandello. (...)

O teu conto, como esses dois, é essencialmente a apresentação de uma situação patética e quando apresentas uma situação patética tens de a deixar falar por si mesma. Quero dizer que deves apresentá-la e largá-la. Tens de deixar as coisas na história tomar a palavra. Como autor, não deves forçar a situação e parece-me que no teu conto tendes a fazer isso de vez em quando. (...)

Deixa o velho seguir o seu caminho sem os teus comentários e deixa as coisas que ele vê criar os efeitos patéticos. Conheces o conto “Os Mortos” de Joyce? Repara como ele faz a neve funcionar  na história. Tchékhov faz com que tudo funcione — o ar, a luz, o frio, a sujidade, etc.. Mostra essas coisas e não terás que as dizer. (...)

Comentários

Anónimo disse…
Sim, escolher entre mostrar ou dizer, é a menor diferença entre visão e ser dela o objecto. Mas como não sucumbir ao entorno cultural de arredondar o vocábulo para fazer sentir? Escreveria "Afinal, isto é um tesourinho." e poderia ficar satisfeito. Arriscaria elaborar e fazer falar a jóia e o rubi, e mesmo assim a mudez manter-se-ia insensível. Desistiria qualquer crítico da vulgaridade de ouvir alguém dizer "A Marquesa saiu às 5 horas!", sem contudo querer saber das bolhas nos pés do peregrino?. Mas nunca alguma vez alcançaremos o âmago do Outro sem que exercitemos a verdade em vez dele. E mesmo assim teremos que mentir a nós próprios que seremos ele sem sermos nós, o que é de facto nada mais que transposição de vontade e exercício de razão.
Eh. Lopes da Silva