(...) O que me leva ao assunto embaraçoso do que não li e não me influenciou. Espero que nunca ninguém me pergunte isso em público. Se o fizerem, tenciono parecer misteriosa e murmurar "Henry James Henry James" — que seria a mais completa mentira, mas não importa. Não fui influenciada pelos melhores. As únicas coisas boas que li quando era criança foram os mitos gregos e romanos que saquei de uma colecção de enciclopédias infantis chamada “O Livro do Conhecimento”. O resto era uma Lavagem com L maiúsculo. O período Lavagem foi seguido pelo período Edgar Allen Poe que durou anos e consistiu principalmente num volume chamado “Os Contos Humerísticos de E.A. Poe”. Eram extremamente humerísticos — um era sobre um jovem demasiado vaidoso para usar óculos, por causa disso casou-se, sem querer, com a sua avó; outro era sobre uma bela figura de homem que no seu quarto tirava os braços de madeira, as pernas de madeira, a peruca, os dentes postiços, a prótese fonatória, etc.; outro sobre os internados de um manicómio que tomam de assalto a instituição e passam a dirigi-la conforme lhes convém. É uma influência na qual prefiro não pensar. Fui para um liceu progressista, onde não liamos se não se quiséssemos. Eu não queria (excepto os Contos Humerísticos etc.). Na faculdade li as, assim chamadas, obras de sociologia. A única coisa que me impediu de ser uma socióloga foi a graça de Deus e o facto de só conseguir lembrar-me do que lia durante um ou dois dias.
Só comecei a ler quando fiz a pós-graduação; comecei a ler e escrever ao mesmo tempo. Quando fui para Iowa, nunca tinha ouvido falar de Faulkner, Kafka, Joyce, muito menos lê-los. Então comecei a ler tudo ao mesmo tempo, tanto que não tive tempo, suponho, para ser influenciada por nenhum escritor em especial. Li todos os romancistas católicos, Mauriac, Bernanos, Bloy, Greene, Waugh; li todas as maluquinhas como Djuna Barnes e Dorothy Richardson e Va. Woolf (injusta com a querida senhora, é claro); li os melhores escritores do sul, como Faulkner e os Tates, K.A. Porter, Eudora Welty e Peter Taylor; li os russos, não tanto Tolstói quanto Dostoiévski, Turguénev, Tchékhov e Gógol. Tornei-me uma grande admiradora de Conrad e li quase toda a sua ficção. Saltei totalmente pessoas como Dreiser, Anderson (excepto algumas histórias) e Thomas Wolfe. Aprendi alguma coisa com Hawthorne, Flaubert, Balzac e alguma coisa com Kafka, embora nunca tenha conseguido terminar um dos seus romances. Li quase todo Henry James — por um sentido de Elevado Dever e porque, quando leio James sinto que alguma coisa acontece comigo, em câmera lenta, mas mesmo assim acontece. Admiro “A Vida dos Poetas” do Dr. Johnson. Mas o que sobressai mais e sempre são “Os Contos Humerísticos de Edgar Allan Poe”. Tenho a certeza de que os escreveu bêbado.
Excerto de uma carta de Flannery O’Connor para Elizabeth Hester. 28 de agosto de 1955.
Comentários
Estas cartas são muito divertidas, vou traduzir (pelo menos) este excerto.