«Não consigo manter os meus sonhos direitos.» Com essa queixa, Kafka queria dizer mantê-los numa linha recta do princípio ao fim. Os seus sonhos estavam inclinados a voltar-se sobre si mesmos; por exemplo, o sonho de Hölderlin. Kafka sonhou que Hölderlin ardia «Finalmente acabaste por pegar fogo». Kafka começou a apagar o fogo com um casaco velho. Agora começa o desvio. «Afinal, era eu quem estava a arder.» Aqui o desvio colide consigo mesmo. «E fui eu quem bateu no fogo com um casaco.» Finalmente, o desvio desfaz-se num desespero racional, mas também neurótico. «Bater não ajudou e apenas confirmou o meu medo antigo de que tais coisas não conseguem extinguir um incêndio.» Eu mesma, eu acho os palíndromos sombrios — avançam como se fossem desvelar uma sabedoria, e eis-nos de novo, encolhidos no fundo da caverna. E não era Kafka quem sonhava em nadar pela Europa com Hölderlin, rio a rio? Lá vão eles, mas logo a razão instala-se. «Eu sei nadar como os outros, só que tenho uma memória melhor do que os outros; não esqueci a minha antiga incapacidade de nadar. Como não a esqueci, a minha capacidade de nadar de nada serve e no fim não consigo nadar.» Vejam esse desvio e colapso. Essa disposição final, em que ele aperta o pequeno espécime com dois dedos e lhe arranca as asas.
Eu mesma, eu não sonho nada nessas noites.
Anne Carson, tradução para ser revista.
Eu mesma, eu não sonho nada nessas noites.
Anne Carson, tradução para ser revista.
Comentários